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Notícia

A inflação nos serviços mantém-se

Os bancos centrais têm injetado muito dinheiro na economia para evitar as recessões, conseguiram controlar a inflação, sem causar problemas nas taxas de desemprego, mas “as recessões provocam dor, mas são boas porque limpam”.

11 de Novembro de 2024 às 18:00
Fernando Costa
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Foto em cima: O debate sobre as Tendências e Perspetivas Internacionais contou com a moderação de Leonor Mateus e a participação de Maria João Tomás, Catarina Castro, Pedro Baldaia, e António Seladas.

"O mercado americano está a transacionar múltiplos de PER (price-to-earnings ratio) de 22 vezes para os próximos 12 meses. Há 25 anos, negociava a esses níveis, mas três meses depois atingiu múltiplos de 25 a 26 vezes e colapsou", afirmou António Seladas, analista da AS Independent Research, no debate sobre as Tendências e Perspetivas Internacionais, realizado na 13.ª edição da Grande Conferência ‘O Futuro dos Mercados Financeiros’, organizada pelo Negócios e pelo Banco Carregosa, com o apoio da ISCTE Business School. Salientou ainda que, historicamente, a média a longo prazo é de 16 vezes e a média dos últimos 5 anos é de cerca de 19 vezes, o que torna difícil esperar um retorno positivo no mercado de ações a 12 meses.

Para António Seladas, quando se fala nos Estados Unidos e no S&P 500 como referência, não quer dizer que "os outros mercados não sejam investíveis, mas, pelo S&P 500, conseguimos perceber o que poderá acontecer no resto do mundo, pois ninguém imagina que os mercados financeiros europeus subam enquanto os Estados Unidos caem 10, 15 ou 20%."

Fez também uma análise ao trabalho dos bancos centrais, destacando que "trabalharam muito bem nos últimos três ou quatro anos", pois conseguiram baixar as taxas de juro, apesar da inflação gerada pela covid-19, sendo que parte dessa inflação estava relacionada com questões logísticas. "Portanto, não há muito a fazer: não se combate a inflação quando há problemas de logística", concluiu.

A inflação subjacente

Mas António Seladas, a parte que era mesmo inflação, mantém-se, sobretudo, nos serviços, cuja taxa de inflação em Portugal está nos 4%. Acrescentou ainda que a inflação subjacente, que é menos volátil, que retira produtos frescos e os energéticos, está nos 3,2 a 3,3%. A inflação na Europa está em 2,7%, mas com dificuldade em baixar.

António Seladas defendeu que "se a inflação não está controlada, a Reserva Federal durante o próximo ano terá que reverter o discurso, o que é uma coisa que os mercados não gostam. Porque, depois, quando se inverte, os bancos centrais têm que subir os juros, surge o risco de uma recessão e ninguém quer ter ações cujos resultados vão cair".

Na sua opinião, os bancos centrais têm injetado muito dinheiro na economia como forma de evitar as recessões, conseguiram controlar a inflação para 3%, sem problemas nas taxas de desemprego, mas "as recessões provocam dor, mas são boas porque limpam". António Seladas salientou ainda que, por exemplo, em Portugal a população empregada é de cerca de 5 milhões empregadas "um número record, nunca tivemos tanta gente a trabalhar, portanto, há inflação dos serviços. Só há menos inflação nos serviços, se houver desemprego".

Donald Trump é um problema para a Europa

"Desde que existe o índice S&P 500 houve 24 eleições presidenciais e, em vinte dos anos em que ocorreram eleições, o índice subiu", relativizou Pedro Baldaia, Head of Equities do Banco Carregosa.

Sublinhou que "Trump é visto mais como uma incerteza, mas o mercado também se recorda do que aconteceu no primeiro mandato de Trump". No seu primeiro mandato, entre 2016 e 2020, já com a disrupção do Covid-19, o desempenho do S&P 500 foi de 58%, "o que significa uma média geométrica de 12% ao ano. Pode haver incerteza em relação ao que Trump possa trazer para a mesa, mas a verdade é que existe um histórico positivo do primeiro mandato", disse Pedro Baldaia.

Em termos setoriais, recordou que o setor Oil&Gas, que se pensava ser beneficiado no seu primeiro mandato, "foi o pior setor em bolsa no S&P 500. Por isso, nem tudo o que parece um trade fácil a seguir a uma eleição se repercute, na verdade, no mercado".

Um problema para a Europa

Este debate foi realizado antes de se conhecerem os resultados das eleições norte-americanas, em que Donald Trump foi reeleito pela segunda vez, em 5 de novembro passado. No entanto, as análises centraram-se na sua provável vitória. Para Maria João Tomás, professora no ISCTE, "esta não seria uma ameaça para os Estados Unidos, mas, sobretudo, para a Europa. Donald Trump afirmou que, para além do amor e da religião, a tarifa é a palavra mais bonita que existe. O que significa que vamos ser alvo de tarifas americanas, e, é claro, que os investidores não terão qualquer problema, porque a economia americana continuará a crescer e não terá problemas."

Maria João Tomás recordou que Donald Trump acredita que é através das tarifas que reduzirá o déficit americano, e o seu pensamento económico é "tarifa sobre tarifa, sobre tarifa", o que nos leva à questão de como é que a Europa ficará em termos de mercados, dado que se apontam tarifas de 10 a 20% para a Europa, 60% para a China e 200% para os carros mexicanos. "A Europa pode ser fortemente penalizada, e a Alemanha, em particular, será gravemente afetada, pois a exportação para os Estados Unidos é muito significativa."

"Trump é tendencialmente protecionista e procurará proteger a economia americana, sobretudo da China e do México. A Europa, além de sofrer com a eventual aplicação de tarifas, também seria afetada por uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China", sublinhou Maria João Tomás.

Além disso, avizinham-se novos desafios na segurança europeia, com Donald Trump a ser muito crítico da NATO. A Europa pode ser severamente penalizada caso Trump concretize "aquela ideia brilhante de cortar os países que não pagarem à NATO. Já se falou na revisão do artigo 5.º, para deixar de haver obrigatoriedade de defesa de um membro da aliança."