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Em tempos de crise, de dúvidas, de incertezas, de instabilidade nos mercados financeiros, crise nas fontes de abastecimento de energia, em que há dificuldade em recrutar mão de obra e em que se discute a redução do horário de trabalho, debater o crescimento económico e a produtividade ganha particular relevância, disse Teresa Cardoso, presidente da Câmara Municipal de Anadia na abertura da segunda sessão do ciclo de "Conferências de Outono", um evento organizado pela autarquia local e FNWAY Consulting. O Cineteatro de Anadia voltou, assim, a ser palco de mais um encontro que decorreu em formato híbrido e no qual Paulo Ramos, CEO da consultora, abordou os fundos diretos do programa-quadro da União Europeia, uma ferramenta "extremamente relevante", mas "pouco usada pelas entidades portuguesas".
Portugal perdeu nível de vida
A produtividade é o fator-chave por trás do crescimento económico. Países ou regiões mais produtivas acabam por, em geral, ter níveis de crescimento económico sustentavelmente mais fortes e Portugal, ao ficar para trás, põe em causa o crescimento, a sustentabilidade demográfica e o combate à pobreza. Foi este o mote para uma conversa que teve como moderadora Diana Ramos, diretora do Jornal de Negócios, e contou com a participação de Miguel Frasquilho, economista e ex-secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, Óscar Gaspar, economista, ex-assessor económico do primeiro-ministro e ex-secretário de Estado da Saúde, e Sandra Maximiano, professora do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, que se focaram no facto de países ou regiões mais produtivas acabarem por, em geral, ter níveis de crescimento económico sustentavelmente mais fortes.
Teresa Cardoso, presidente da Câmara Municipal de Anadia.
Diana Ramos, que de resto congratulou a organização por levar este tema a debate "para além da bolha de Lisboa", realçou ser preocupante que os números da produtividade coloquem sempre Portugal num patamar inferior, "quando deveria ser um país a estar no pelotão da frente". Reportando um relatório de 2021 da CIP - Confederação Empresarial da CIP, que explanava as principais dificuldades e entraves ao crescimento económico, a jornalista sublinhou os custos de contexto, a capitalização das empresas ou a adequada execução dos investimentos públicos.
Desde logo, Miguel Frasquilho sublinha que este é um tema que nos deve deixar, a todos, particularmente atentos, pois desde sempre esteve premente em Portugal. "E está sempre presente pelas piores razões, o que significa que não nos temos vindo a portar bem, com consequência para a vida de todos nós."
Entre 1995 e 2023, segundo dados da Comissão Europeia, o nível de vida em Portugal, para além de estar abaixo da média europeia, não tem crescido. "Durante este período de tempo, Portugal perdeu quatro posições em termos líquidos no nível de vida face à média comunitária", disse na sua apresentação Miguel Frasquilho. "Passámos de 81% em 1995 para os 77,6% previsíveis em 2023." Em termos reais, o crescimento económico também se tem vindo a posicionar abaixo da média europeia, "exatamente o contrário do que devemos ambicionar".
Urgem políticas viradas à atratividade
Quanto ao crescimento acumulado do PIB, Portugal é o quarto país que menos cresce. Cresceu 46%, abaixo da média comunitária, muito longe de geografias do Leste europeu, nomeadamente Lituânia, Polónia, Estónia, Letónia, Eslováquia, Hungria e da própria Roménia, "algo impensável há 20 anos". Aliás, atrás de nós, refere o economista, só temos a Alemanha, a Grécia e Itália. "A Alemanha e Itália são países que, apesar de crescerem pouco, têm um nível de vida muito diferente de Portugal. Mesmo a Itália, num estado de estagnação há muitos anos, continua a ter um rendimento per capita superior ao nosso, próximo da média europeia e a Alemanha continua a ser dos países mais ricos não da Europa mas do mundo." Para o ex-secretário de Estado, e mantendo-se tudo como está, "é provável continuarmos a receber notícias pouco agradáveis no que toca ao nosso desempenho económico e de produtividade".
Em conclusão, Miguel Frasquilho não tem dúvida de que são necessárias políticas viradas à atratividade e competitividade que possam tornar o país mais produtivo, fator crucial para dinamizar a criação de riqueza de forma sustentada. "Sem isso, estamos a pôr em causa a sustentabilidade demográfica e o combate à pobreza". Neste sentido, o economista identifica várias áreas de atuação, realçando a política fiscal, na sua componente conjuntural e estrutural. "Precisamos de uma atuação virada para a atratividade, competitividade e simplificação do IRS e IRC, os impostos reconhecidamente mais importantes para atrair, não só recursos humanos qualificados, mas também investidores." O especialista em matérias económicas diz mesmo "não caber na cabeça de ninguém" que Portugal seja dos países da União Europeia com taxas de IRS mais elevadas, inclusivamente do que os países nórdicos. "Temos escalões a mais, um sistema que não é fácil, nem acessível nem tão-pouco compreensível." Já ao nível do IRC, Miguel Frasquilho abordou o facto de termos a segunda taxa máxima mais elevada da União Europeia, o que "também não é um bom cartão de visita". O especialista defende, assim, uma reforma no sentido de diminuição de taxas e simplificação dos sistemas em ambos os impostos.
Economista e ex-secretário de Estado do Tesouro e Managing Director Southern Europe da CI&T
Do ponto de vista conjuntural, Portugal enfrenta "uma crise muito forte", uma situação que se deverá tornar "ainda mais complicada", devido ao contexto internacional que estamos a viver, nomeadamente por questões geopolíticas, para além de uma inflação a dois dígitos de forma global e dos custos com a energia, que "mina a competitividade das nossas empresas e dificulta a vida às nossas famílias". Miguel Frasquilho defende, face a todo este contexto, que temporariamente "o cabaz de bens essenciais deveria ter uma taxa de IVA a 0%. Isto não pode esperar pelo próximo ano. Eu faria já. Estamos à beira de uma crise social de enormes dimensões."
Crescer é imperativo
"Produtividade é o tema. É o que merece que dediquemos uma boa parte das nossas reflexões e do nosso tempo", disse Óscar Gaspar, economista, ex-assessor económico do primeiro-ministro e ex-secretário de Estado da Saúde. "Temos crescido muito pouco. Temos usado o eufemismo ‘crescimento anémico’ tem sido uma desilusão e não nos leva aos níveis de desenvolvimento que todos gostaríamos de alcançar."
Economista, ex-assessor económico do primeiro-ministro e ex-secretário de Estado da Saúde
O especialista abordou as tendências da transformação digital, algo que tem um impacto enorme nas organizações e sociedades mas que, no seu entender, tem de ser acompanhada por mudanças organizacionais. "Não faz sentido ter mais computadores e programas informáticos se não mudarmos processos e não soubermos como tirar proveito deste novo potencial digital."
Óscar Gaspar falou ainda na importância do capital intangível, ou seja, não apenas no investimento em edificado ou maquinaria, mas em conhecimento e em capital de inovação. Citando Chiara Criscuolo, especialista da OCDE, o economista enfatizou algumas sugestões de políticas, nomeadamente combater a concentração de mercado e estimular a concorrência. "É a concorrência que nos obriga a fazer melhor do que os nossos parceiros." Falou ainda em melhorar o funcionamento do mercado de capitais, robustecer o ecossistema de inovação e apoiar startups inovadoras, investir em inovação e estabelecer instituições pró-produtividade com efeitos nas políticas públicas.
Professora do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa
Para Óscar Gaspar "promover a produtividade não é algo faraónico", desde logo começando pela organização. "Acredito que neste tema, 90% são organização e 10% estratégia." Tecnologia, custos de contexto, fundos comunitários, capital, fiscalidade, dimensão, concentração e qualificações são os fatores que, no entender deste especialista, são fulcrais para atingir a tão almejada produtividade.
Uma visão estratégica para o país
"Não vou bater mais no ceguinho, já sabemos que estamos a ficar para trás e é deprimente ver que em vez de progredir, temos regredido", disse na sua intervenção Sandra Maximiano, professora do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa. Mas o que explica o fraco crescimento? Para a especialista, fatores institucionais, culturais e ideológicos, desde a ineficiência do sistema de justiça português, níveis de corrupção que não são necessariamente baixos, baixa eficácia governamental, indicadores de qualidade regulatória em Portugal que apontam para um agravamento face a outros países europeus e aversão ideológica à cultura de meritocracia. "Ter esta cultura de meritocracia é extremamente importante, seja no setor privado como público. A história de sermos todos iguais e pobres não nos vai levar a absolutamente lado nenhum."
Para Sandra Maximiano, outras causas económicas diretas que influenciam este parco crescimento económico prendem-se com a já mencionada baixa produtividade do fator trabalho e com as empresas a operarem numa lógica de curto prazo e de pequena escala. A professora abordou ainda a incapacidade de atrair investimento que gera valor mais acrescentado, o investimento direcionado ao setor dos bens não transacionáveis, as incapacidades para explorar e aproveitar melhor os recursos naturais e os obstáculos fiscais ao investimento, de resto já mencionado por Miguel Frasquilho, nomeadamente uma carga fiscal excessiva e sucessivas alterações ao quadro fiscal, burocracia excessiva e lentidão da justiça.
Como visão estratégica para o país, a académica falou da necessidade de uma economia aberta, diversificada, competitiva, sofisticada e inovadora, para além de um Estado moderno, eficiente e indutor do crescimento e desenvolvimento económico e, por último, um sistema financeiro competitivo.
Economia Circular e Descarbonização
Para encerrar este ciclo de debates, dia 18 de novembro, Anadia volta a receber Luís Mira Amaral, que, acompanhado por Carlos Borrego, ex-ministro do Ambiente e Recursos Naturais, Paula Policarpo, jurista, gestora e mentora do Movimento Zero Desperdício, e Ana Maria Couras, vice-presidente do Conselho Geral da CIP - Confederação Empresarial de Portugal, irá debater a "Economia Circular e Descarbonização".