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Uma bazuca com três alvos

Jorge Moreira da Silva alerta que “já estávamos fora de pista” no cumprimento Agenda para 2030. Apoios “têm de estar alinhados com os objetivos de recuperação económica, combate às alterações climáticas e às desigualdades”.

02 de Julho de 2020 às 13:30
Os governos têm de conciliar as partes interessadas na sustentabilidade, defende Afonso Arnaldo.
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No cumprimento da Agenda para 2030 "já estávamos fora de pista", diz Jorge Moreira da Silva, diretor da Cooperação para o Desenvolvimento da OCDE. Mas não "podemos voltar à normalidade de uma situação anómala face aos objetivos fixados em 2015 para 2030".

Na sua opinião, a atual crise pandémica permitiu compreender o que é uma crise global. Admite que há uma maior consciencialização para as alterações climáticas mas faltava a experiência limite. "As pessoas não tinham experimentado uma situação em que fossem colocadas perante o crescimento exponencial e não linear, a mudança imediata de comportamentos, políticas públicas no confinamento como no desconfinamento, baseadas na ciência e não na subjetividade", considerou Jorge Moreira da Silva.

Mas o diretor da Cooperação para o Desenvolvimento da OCDE recordou que no desenvolvimento sustentável na ajuda ao desenvolvimento esta crise veio alargar as desigualdades. "Até ao final deste ano teremos mais 130 milhões de novos pobres em situação de pobreza extrema e 500 milhões de cidadãos em situação de pobreza". Referiu que se há algo que esta crise tem de semelhante com a crise climática é que "os mais pobres serão os mais ameaçados".

Dependência global

Como disse António Miguel Ferreira, managing partner da Claranet, "a população mundial há 200 anos era de mil milhões de pessoas e hoje é de 7 mil milhões de pessoas, enquanto a Europa multiplicou por quatro, a Ásia por 6, África por 9 e a América Latina cerca de 25 vezes e a América do Norte 50 vezes. São dados preocupantes porque colocam pressão sobre os recursos que o planeta tem e também sobre os próprios recursos humanos".

"A resposta à crise tem de olhar para a dimensão e a recuperação económica mas não pode deixar de olhar para a crise climática e para as desigualdades, que se alargaram mesmo dentro dos próprios países. Estas duas dimensões, compatibilizar a resposta económica com a dimensão climática e ambiental com as desigualdades e a pobreza, parecem-me inexoráveis".

Para Jorge Moreira da Silva, uma das lições desta crise "é a necessidade de reforçar o multilateralismo por razões de eficácia e eficiência. Temos de olhar para os recursos e para os orçamentos disponíveis e utilizá-los da forma mais eficaz possível".

Por outro lado assinalou a dependência global. "Mesmo que o esforço dos países ricos do Norte para reduzir as emissões fosse atingido nem assim se resolveria os problemas das emissões globais porque 80% do investimento necessário para travar a mudança climática tem de ser realizado nos países em vias de desenvolvimento. Estes países têm quase mil milhões de pessoas em situação de pobreza extrema, 2400 milhões sem saneamento básico", assinalou Jorge Moreira da Silva.

Sem o contributo dos países ricos na ajuda ao desenvolvimento não será possível enfrentar todas as consequências sanitárias, sociais, económicas e climáticas. Utilizando a analogia da bazuca, que foi utilizada na crise financeira anterior, Jorge Moreira da Silva disse que se "tem de fazer pontaria a três alvos. Não pode ser apenas dirigida para a recuperação económica, tem de estar alinhada com os objetivos de recuperação económica, combate às alterações climáticas e às desigualdades".

Afonso Arnaldo, partner de Corporate Responsability & Sustainability da Deloitte, considera, "que os governantes são os principais agentes desta mudança e devem ser os conciliadores entre todas as partes".