Como compara hoje o setor da logística em Portugal com a realidade do resto da Europa?
Com a globalização, as diferenças não são muito acentuadas, quer do ponto de vista de processos, quer em termos de acessibilidade a meios, ou mesmo em termos de competências. Portugal tem a vantagem de fazer parte de um espaço europeu e de ter no seu território um conjunto de empresas europeias e globais, pelo que vai beber e usufruir de todos os avanços e de tudo o que há de mais moderno nas cadeias de valor e de abastecimento dos diferentes negócios. Nesse aspeto diria que estamos numa posição inversamente proporcional à dimensão do país. Podemos dizer que a logística e as cadeias de abastecimento não são hoje barreiras ao investimento em Portugal.
Em termos de investimento e desenvolvimento tecnológico, pode dizer-se que as empresas portuguesas estão a acompanhar as tendências internacionais?
Têm acompanhado, mas claramente com duas desvantagens das quais dificilmente podemos fugir. Uma é a nossa localização geográfica, que se por um lado nos dá uma das maiores costas atlânticas da Europa, também nos coloca na pontinha deste continente. Qualquer empresa que conte comprar ou vender a partir de, ou para, Portugal tem de contar com as particularidades desta localização geográfica, que nos põe numa posição completamente diferente da que tem um país no centro da Europa, a partir do qual rapidamente se chega a 100 ou 200 milhões de clientes. Outra desvantagem natural é a dimensão do país, sobretudo em termos de capital humano (quantidade e não qualidade). São dois aspetos que nos obrigam a ser um bocadinho melhores, a ter uma estrutura de custos mais espartana ou uma qualidade de produtos francamente superior para conseguirmos fazer face à concorrência.
Estamos a iniciar um novo ciclo político. O que seria importante fazer nos próximos quatro anos para potenciar o setor?
A digitalização é um aspeto importante. Tudo o que puder ser digitalizado e agilizado onde e sempre que há pontos de contacto – portos, aeroportos, ligação à ferrovia, desalfandegamento – será uma mais-valia para a economia.
No que se refere às infraestruturas, reconheço que atualmente são excelentes, ainda que com o desafio da manutenção a médio prazo, mas a componente da ferrovia é uma questão importante. Há vários anos que são anunciados investimentos para esta área que têm acabado por não se materializar e seria importante que tivessem início o quanto antes, porque são projetos que demoram a concretizar-se.
Será também importante garantir que do ponto vista legal e laboral exista estabilidade. As constantes alterações nestas matérias não deixam ninguém confortável, nem cidadãos, nem empresas, nem investimento estrangeiro. Não podemos estar permanentemente a mudar as regras do jogo.
Em concreto, o que valia a pena fazer diferente nestas duas áreas?
Na componente laboral tivemos alterações constantes nos últimos anos, nem sequer me vou pronunciar sobre se há razões e havendo a quem dizem respeito, mas o que é facto é que fomos notícia pelas piores razões. No caso dos portos, por exemplo, é preciso perceber que num ambiente altamente competitivo, como temos hoje, qualquer empresa que tenha um problema com um porto em Portugal descarrega facilmente em Espanha. Com situações de instabilidade podemos perder clientes, nos portos e não só.
Do ponto de vista fiscal, a situação não é muito diferente. Aquela tentação de criar taxas e taxinhas e fazer alterações de orçamento para orçamento devia ser evitada. As empresas reagem muito mal a estas situações, porque hoje têm margens pequenas e precisam de um horizonte para planear bem as operações, ou a comparação com outras realidades acaba sempre por ser penalizante.
Falta de recursos pode travar novos projetos
O Guia do Mercado Laboral da Hays para 2019 colocava a logística – a par da indústria – entre os setores com maior potencial para animar o mercado de trabalho este ano. Produção a crescer, novas fábricas e uma aposta reforçada na Indústria 4.0 fizeram disparar a procura de responsáveis de logística e supply chain, técnicos de planeamento e de aprovisionamento, segundo a empresa de recursos humanos. A APLOG acrescenta a falta de mão de obra em áreas menos qualificadas. "As profissões mais ligadas a contextos industriais ou de armazéns são menos apetecíveis e isso é difícil de mudar, por mais marketing que se faça. Há enormes esforços feitos pelas empresas para tentar alterar a situação, mas num momento de quase pleno emprego é difícil", admite Raul Magalhães, presidente da Associação Portuguesa de Logística.
A disponibilidade de formação não é um problema, garante a associação, que elogia a oferta das escolas e mantém ela própria programas, mas a quantidade de recursos disponíveis é. Tem subido de tom com a concorrência no território de multinacionais com uma capacidade de apelo crescente e grandes necessidades de mão-de-obra. Por isso, Raul Magalhães admite que "muitos projetos podem não se desenvolver ou ter a necessidade de mudar de território para obter essa capacidade em termos de recursos humanos".