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Relatório Draghi: ambição sem base política
O relatório indica como primeira e mais importante prioridade para "relançamento de um crescimento sustentável" a "redução do fosso em matéria de inovação com os Estados Unidos e a China, especialmente em tecnologias de ponta".
O "aproveitamento do potencial de recursos internos através da mineração, reciclagem e inovação" de metais alternativos, como o lítio em Portugal, é referido como opção a seguir na ausência de depósitos de combustíveis fósseis para reduzir a dependência externa, em especial da China, e aumentar o investimento na Defesa.
Um "plano conjunto para descarbonização e competitividade", considerando que, por exemplo, os preços da eletricidade pagos pelas empresas europeias são duas a três vezes superiores aos dos Estados Unidos, é o segundo vetor estratégico definido no relatório intitulado "O Futuro da Competitividade Europeia".
O incremento da dependência em relação à China pode "ser o caminho mais barato e eficaz" para alcançar os objetivos de descarbonização dos 27, mas os subsídios estatais de Pequim às empresas chinesas do setor energético representam "uma ameaça às indústrias automóvel e de energias limpas" da UE, admite Draghi numa das considerações sobre relações entre blocos e potências económicas e políticas.
Defesa e dependências
Aumento da segurança e redução das dependências surgem como terceira prioridade do relatório de 397 páginas do economista que presidiu entre 2011 e 2019 ao BCE.
Superar a fragmentação das indústrias de Defesa dos 27 e aumentar a inter-operacionalidade de armamentos e munições são essenciais para ultrapassar uma situação em que as despesas militares da UE, apenas superadas pelos Estados Unidos a nível mundial, "não se refletem na capacidade da nossa indústria de Defesa", lê-se no relatório.
O montante de investimentos necessários para "digitalizar e descarbonizar a economia e aumentar a nossa capacidade de defesa" orça, no mínimo, entre €750 mil a €800 mil milhões por ano, o equivalente a 4,4 %-4,7% do PIB dos 27 em 2023.
Trata-se, indica Draghi, de valores superiores, por exemplo, aos 1%-2% alcançados durante a vigência do Plano Marshall de assistência à Europa entre 1948 e 1951, mas estes investimentos poderiam "aumentar a produção em cerca de 6% num prazo de 15 anos", segundo projeções da União Europeia e do FMI.
Constatando que o orçamento anual "é pequeno, pouco ultrapassando 1% do PIB da EU, enquanto os orçamentos dos estados-membros atingem no conjunto quase 50%", Draghi considera virem a ser necessárias "novas fontes de financiamento conjunto".
Entre o que afirma serem as necessárias "mudanças à configuração institucional e funcionamento da UE" para concretizar uma "nova estratégia industrial", Draghi advoga o alargamento do sistema de decisão por maioria qualificada que presentemente obriga à votação a favor de 15 estados-membros e que simultaneamente representem no mínimo 65% da população total dos 27.
O projeto Draghi aspira a definir e enquadrar mudanças tão cruciais quanto as inspiradas por dois relatórios que marcaram etapas fundamentais para a presente configuração da União Europeia.
O primeiro foi apresentado, em 1970, ao Conselho das Comunidades Europeias pelo diplomata belga Étienne Davignon, um conservador de centro-direita. O relatório Davignon sugeriu linhas orientadoras de cooperação em política externa aos seis estados-membros da Comunidade Económica Europeia instituída em 1958 para promover a partilha de recursos e eliminar barreiras aduaneiras e incorporando então domínios coloniais como a Argélia Francesa.
A Comissão Jacques Delors, em 1989, apresentou um relatório em que o socialista francês, presidente desde 1985 das Comunidades Europeias, traçou o plano de criação da moeda única.
Ao relatório Draghi no presente quadro político da União Europeia, com a guerra na Ucrânia em curso, competição geoestratégica acrescida entre Estados Unidos e China e acentuadas tendências isolacionistas e protecionistas em Washington não é de augurar futuro promissor.