Notícia
É preciso correr riscos e aceitar fracassos
Já falhou "muitas vezes". E depois? Quem não estiver preparado para aceitar insucessos não consegue arriscar. Não avança e não inova. "A comodidade não é um valor", acredita Carlos Moreira da Silva, vencedor do prémio "Ernst & Young Entrepreneur of the Year"...
15 de Abril de 2010 às 15:02
Já falhou "muitas vezes". E depois? Quem não estiver preparado para aceitar insucessos não consegue arriscar. Não avança e não inova. "A comodidade não é um valor", acredita Carlos Moreira da Silva, vencedor do prémio "Ernst & Young Entrepreneur of the Year".
Ao receber o prémio disse que em Portugal os empresários têm um grau de educação inferior ao que seria desejável. Porquê essa análise?
Porque em Portugal, a maioria dos empresários tem uma educação média inferior à dos seus trabalhadores e eu acho que isso é muito negativo. Tem que ser feito um esforço para mudar o nosso ADN em relação ao risco e ao empreendedorismo. É difícil fazê-lo na minha geração, mas acredito que é possível fazê-lo nas gerações mais novas. Devemos fazer o 'reset' do ADN das nossas crianças, de forma a incentivá-las a correr riscos e aceitarem os insucessos, pois quem não estiver preparado para ter insucessos não consegue arriscar. E ensinar-lhes, em simultâneo, a ter uma cultura de rigor, de formação e de educação cada vez mais aprofundada.
Não sente essa cultura e esse rigor na nossa classe empresarial?
Acho que não. A qualidade do empreendedorismo em Portugal precisa de melhorar.
Em que pontos específicos?
Fundamentalmente na capacidade de inovar e, portanto, de arriscar. Não chega copiar. Copiar não é mau, não é negativo, mas não é suficiente. Julgo que é muito importante que nos habituemos colectivamente - isto não são questões pessoais, pois uma estrela não faz o céu - a correr riscos e a aceitar os fracassos. Uma coisa que é muito dramática na sociedade portuguesa é que existe muita inveja em relação ao sucesso e muita falta de aceitação quanto do insucesso. Estes sintomas têm que ser ultrapassados. Estive recentemente num debate no Porto onde estavam algumas personalidades, como o dr. António Mexia. Um dos temas em discussão foi o facto de que se estivermos num jantar com duas pessoas - uma que acabou de se formar na Universidade Católica e é assistente de faculdade e outra que acabou de fazer uma empresa de vão de escada - nós damos muito mais valor ao assistente do que ao empresário que está a tentar correr riscos e a fazer uma empresa. Enquanto for assim, ganham os funcionários.
De onde nos vêm o medo? Acha que nos resignamos à nossa escala?
Não, pelo contrário, e isso ficou muito claro na altura da integração de Portugal e Espanha na União Europeia. Os portugueses eram então muito mais exportadores do que os espanhóis. Tínhamos essa necessidade. Como não cabíamos aqui dentro, tínhamos que exportar. E os espanhóis tinham um mercado natural que os protegia. Mas hoje eles são muito mais agressivos do que nós. Precisamos mesmo de fazer uma transformação cultural muito grande e eu já quase perdi a esperança de que essa mudança possa acontecer, sem ser a começar pelas crianças.
Perdeu mesmo a esperança?
Não, não a perdi. Mas acho que é preciso fazer um salto qualitativo.
No caso da BA Vidro, o que distingue a empresa hoje face a 2004, ano do "management buy out"?
Acho que há uma alteração cultural que tem a ver com a liderança accionista. Isso não tem a ver comigo mas com a transformação de uma empresa que era familiar numa empresa com uma agenda dentro da agenda da Sonae, uma agenda de crescimento, agressiva e de melhoria permanente. Essa foi uma grande transformação, que foi continuada após o MBO. É muito fácil olhar 10 anos para trás e ver que há uma grande diferença. E essa diferença faz-se melhorando todos os dias. Aquilo que achamos que é a nossa chave de êxito é termos valores muito claros e sermos intransigentes em relação aos mesmos. Os nossos valores são humildade para aprender, ambição e rigor. Costumamos dizer que "não se toca de ouvido". Quando se fala, fala-se com propriedade e transparência. A transparência defende a ética, pois reduz o espaço no qual pode surgir a tentação colectiva. E emoção, pois é preciso que uma pessoa, quando se levanta todos os dias, goste de ir trabalhar. E é também o facto de promovermos o empreendedorismo interno. Só isso nos permite inovar nos processos, ter vontade de melhorar permanentemente. E é isso que nos dá o crescimento mais ou menos garantido e sustentado.
É um "seguidor" do engº Belmiro?
Não, mais do que seguidor sou um fã que aprendeu muito com ele. É um empresário muito diferente em Portugal. Ele tem dado oportunidades a muitas pessoas de se transformarem em empresários.
Disse que não está certo de que este prémio lhe seja justo. Porquê?
Acho que é imerecido porque há pessoas muito mais empreendedoras do que eu. Digo-o com toda a franqueza. É muito mais fácil pegar numa empresa existente e transformá-la, apesar dos riscos e desafios que existem, do que começar do zero, como a Salsa, a Sacoor Brothers ou a CSC Genetics . Começar do zero e fazer o negócio.
O que deseja para o país empresarial?
Espero que os empresários e empreendedores portugueses entendam as suas limitações, simultaneamente com o rasgo próprio de um empreendedor mas conseguindo atrair o capital humano indispensável para construir, de forma reiterada, o crescimento e o sucesso.
O actual momento de crise obriga a uma maior cautela?
O actual momento de crise abre a possibilidade a mais oportunidades; é assim que gosto de olhar para a conjuntura actual. Nesta e noutras situações exige-se um grande rigor na análise das diferentes situações que se nos deparam, mas não necessariamente mais cautela, porque também é a altura de utilizar as vantagens competitivas como forma de transformar situações difíceis em oportunidades de diferenciação.
Que conselhos dá aos jovens empreendedores?
Não ter medo de falhar e ver o mundo.
Mas falhar é "tramado", não é?
Sim, é. Mas muito pior do que falhar - e eu falhei já muitas vezes - é ficar naquela dúvida "e se eu tivesse tentado". A comodidade não é um valor.
Diz que falhou várias vezes. Qual a lição mais dolorosa que aprendeu?
Foram duas: Não vale a pena ter razão fora de tempo; aprendi isto com o lançamento de um projecto de Home Shopping (Mordomo) lançado com base na tecnologia Minitel. Aprendi também que não se pode perder por falta de ambição; apesar da situação em causa ser mais complexa do que uma simples frase pode descrever, registei esta lição na perda do concurso da primeira licença de operador de telemóvel.
Enumere três erros que um empreendedor não deve cometer.
Não tenho capacidade para ser normativo neste domínio; sou quase um aprendiz de feiticeiro. Por isso, arrisco só um pecado mortal: 'Não recrutar e rodear-se dos melhores'.
Porque em Portugal, a maioria dos empresários tem uma educação média inferior à dos seus trabalhadores e eu acho que isso é muito negativo. Tem que ser feito um esforço para mudar o nosso ADN em relação ao risco e ao empreendedorismo. É difícil fazê-lo na minha geração, mas acredito que é possível fazê-lo nas gerações mais novas. Devemos fazer o 'reset' do ADN das nossas crianças, de forma a incentivá-las a correr riscos e aceitarem os insucessos, pois quem não estiver preparado para ter insucessos não consegue arriscar. E ensinar-lhes, em simultâneo, a ter uma cultura de rigor, de formação e de educação cada vez mais aprofundada.
Não sente essa cultura e esse rigor na nossa classe empresarial?
Acho que não. A qualidade do empreendedorismo em Portugal precisa de melhorar.
Fundamentalmente na capacidade de inovar e, portanto, de arriscar. Não chega copiar. Copiar não é mau, não é negativo, mas não é suficiente. Julgo que é muito importante que nos habituemos colectivamente - isto não são questões pessoais, pois uma estrela não faz o céu - a correr riscos e a aceitar os fracassos. Uma coisa que é muito dramática na sociedade portuguesa é que existe muita inveja em relação ao sucesso e muita falta de aceitação quanto do insucesso. Estes sintomas têm que ser ultrapassados. Estive recentemente num debate no Porto onde estavam algumas personalidades, como o dr. António Mexia. Um dos temas em discussão foi o facto de que se estivermos num jantar com duas pessoas - uma que acabou de se formar na Universidade Católica e é assistente de faculdade e outra que acabou de fazer uma empresa de vão de escada - nós damos muito mais valor ao assistente do que ao empresário que está a tentar correr riscos e a fazer uma empresa. Enquanto for assim, ganham os funcionários.
De onde nos vêm o medo? Acha que nos resignamos à nossa escala?
Não, pelo contrário, e isso ficou muito claro na altura da integração de Portugal e Espanha na União Europeia. Os portugueses eram então muito mais exportadores do que os espanhóis. Tínhamos essa necessidade. Como não cabíamos aqui dentro, tínhamos que exportar. E os espanhóis tinham um mercado natural que os protegia. Mas hoje eles são muito mais agressivos do que nós. Precisamos mesmo de fazer uma transformação cultural muito grande e eu já quase perdi a esperança de que essa mudança possa acontecer, sem ser a começar pelas crianças.
Perdeu mesmo a esperança?
Não, não a perdi. Mas acho que é preciso fazer um salto qualitativo.
No caso da BA Vidro, o que distingue a empresa hoje face a 2004, ano do "management buy out"?
Acho que há uma alteração cultural que tem a ver com a liderança accionista. Isso não tem a ver comigo mas com a transformação de uma empresa que era familiar numa empresa com uma agenda dentro da agenda da Sonae, uma agenda de crescimento, agressiva e de melhoria permanente. Essa foi uma grande transformação, que foi continuada após o MBO. É muito fácil olhar 10 anos para trás e ver que há uma grande diferença. E essa diferença faz-se melhorando todos os dias. Aquilo que achamos que é a nossa chave de êxito é termos valores muito claros e sermos intransigentes em relação aos mesmos. Os nossos valores são humildade para aprender, ambição e rigor. Costumamos dizer que "não se toca de ouvido". Quando se fala, fala-se com propriedade e transparência. A transparência defende a ética, pois reduz o espaço no qual pode surgir a tentação colectiva. E emoção, pois é preciso que uma pessoa, quando se levanta todos os dias, goste de ir trabalhar. E é também o facto de promovermos o empreendedorismo interno. Só isso nos permite inovar nos processos, ter vontade de melhorar permanentemente. E é isso que nos dá o crescimento mais ou menos garantido e sustentado.
O engenheiro "obcecado" pelas horas Marca reuniões ao minuto. Às 9h16, às 15h23... e não gosta de atrasos. O tempo "é hoje um dos recursos mais escassos e não pode ser desperdiçado". A gestão da agenda tem que "absolutamente rigorosa", defende. Carlos Moreira da Silva, 57 anos, engenheiro mecânico de formação e com um mestrado em gestão pela Universidade de Warwick, entrou na vida activa pela carreira docente. Depois de uma passagem pela administração da EDP, entrou na Sonae e aí ficou quase duas décadas. Correu a casa quase toda, sempre em funções de topo: esteve nas tecnologias de informação, no negócio industrial, no retalho, na comunicação social. Até que, em 2004, se lançou num novo voo ao liderar o grupo de quadros que comprou a participação do grupo de Belmiro de Azevedo na Barbosa e Almeida. É desde então presidente do conselho de administração da BA Vidro e, desde o início de 2009, presidente da Cotec. |
É um "seguidor" do engº Belmiro?
Não, mais do que seguidor sou um fã que aprendeu muito com ele. É um empresário muito diferente em Portugal. Ele tem dado oportunidades a muitas pessoas de se transformarem em empresários.
Disse que não está certo de que este prémio lhe seja justo. Porquê?
Acho que é imerecido porque há pessoas muito mais empreendedoras do que eu. Digo-o com toda a franqueza. É muito mais fácil pegar numa empresa existente e transformá-la, apesar dos riscos e desafios que existem, do que começar do zero, como a Salsa, a Sacoor Brothers ou a CSC Genetics . Começar do zero e fazer o negócio.
O que deseja para o país empresarial?
Espero que os empresários e empreendedores portugueses entendam as suas limitações, simultaneamente com o rasgo próprio de um empreendedor mas conseguindo atrair o capital humano indispensável para construir, de forma reiterada, o crescimento e o sucesso.
O actual momento de crise obriga a uma maior cautela?
O actual momento de crise abre a possibilidade a mais oportunidades; é assim que gosto de olhar para a conjuntura actual. Nesta e noutras situações exige-se um grande rigor na análise das diferentes situações que se nos deparam, mas não necessariamente mais cautela, porque também é a altura de utilizar as vantagens competitivas como forma de transformar situações difíceis em oportunidades de diferenciação.
O PRÉMIO DO MELHOR EMPREENDEDOR Distinguir o desempenho operacional, a visão estratégica e a integridade. Detêm, pelo menos, 10% do capital de uma empresa maioritariamente nacional, com mais de três anos de actividade e um volume de negócios anual superior a cinco mil milhões de euros. O seu percurso revela espírito empreendedor, sentido de estratégia e inovação e a ambição de conquistar terreno no mercado global. A tudo isto, o júri do Ernst & Young Entrepreneur of the Year, presidido por Basílio Horta, presidente da AICEP, soma a integridade pessoal e influência. São estes os critérios-chave para a escolha dos empresários que, anualmente, são distinguidos com o título de Empreendedor do Ano, e que são assim convidados a representar o País na final mundial, que acolhe mais de 50 gestores de todo o mundo. Nesta edição, que teve o seu desfecho no dia 8 de Abril, a final foi disputada por Adelino da Silva Matos, presidente do grupo do sector metalomecânico A. Silva Matos, Purificação Tavares, directora do laboratório de genética CGC Genetics, Filipe Vila Nova, "chairman" da têxtil Salsa Jeans, os irmãos Sacoor, fundadores da marca Sacoor Brothers, e o trio Filipe e Marcel Botton e Alexandre Relvas, da Logoplaste. Purificação Tavares foi distinguida com o título de "Emerging Entrepreneur" e Bento Correia, da Vision Box, PME que desenvolve soluções integradas de biometria, recebeu o prémio de "International Entrepreneur". Mas foi Carlos Moreira da Silva o grande vendedor, pelo trabalho realizado enquanto presidente do conselho de administração da BA Vidro. Sob a sua liderança a empresa, que tem quase um século de existência, tornou-se numa das campeãs europeias do seu sector, mantendo cinco unidades industriais em Portugal e Espanha e destinando mais de 50% do volume de produção total para exportação. O caminho tem vindo a ser traçado com o crescimento orgânico e aquisições. Em 2008, a compra da Sotancro permitiu-lhe aumentar a sua carteira de clientes e produtos nos segmentos tradicionais, alimentar e bebidas, alargando também o negócio à farmácia e cosmética. Com 1500 funcionários, produz anualmente cerca quatro mil milhões de embalagens. Ou seja, mais de 10 milhões de unidades por dia. Em 2008, últimos dados conhecidos, registou vendas consolidadas de 290,9 milhões de euros. |
Que conselhos dá aos jovens empreendedores?
Não ter medo de falhar e ver o mundo.
Mas falhar é "tramado", não é?
Sim, é. Mas muito pior do que falhar - e eu falhei já muitas vezes - é ficar naquela dúvida "e se eu tivesse tentado". A comodidade não é um valor.
Diz que falhou várias vezes. Qual a lição mais dolorosa que aprendeu?
Foram duas: Não vale a pena ter razão fora de tempo; aprendi isto com o lançamento de um projecto de Home Shopping (Mordomo) lançado com base na tecnologia Minitel. Aprendi também que não se pode perder por falta de ambição; apesar da situação em causa ser mais complexa do que uma simples frase pode descrever, registei esta lição na perda do concurso da primeira licença de operador de telemóvel.
Enumere três erros que um empreendedor não deve cometer.
Não tenho capacidade para ser normativo neste domínio; sou quase um aprendiz de feiticeiro. Por isso, arrisco só um pecado mortal: 'Não recrutar e rodear-se dos melhores'.