Notícia
"Cimeira Rio+20 é pouco ambiciosa"
Para Francisco Ferreira, professor na Universidade Nova de Lisboa, a cimeira do Rio de Janeiro aparenta mais ser uma acção de sensibilização para o caminho do que fazer o caminho
08 de Junho de 2012 às 09:00
Francisco Ferreira, Professor na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e membro da Quercus
Francisco Ferreira, professor na Universidade Nova e membro da Quercus, prefere ser optimista quanto ao futuro da humanidade e do planeta, apesar de pensar que só teorias de catástrofe levam a humanidade a mudar. Mas acha que os próximos tempos serão difíceis para a humanidade, principalmente para os seres humanos com menor poder de compra, educação e cultura, que vivam em sítios com maior pressão populacional.
Quais são os avanços que espera que sejam alcançados na Cimeira Rio+20?
Honestamente, poucos. Acho que vai ser uma conferência complicada. Nós tivemos a Eco-92, que foi um marco apesar de os seus resultados poderem ser contestados, porque as convenções que daí resultaram não tiveram o efeito que seria desejável.
Mas o que é facto é que conseguimos a Agenda 21 e as convenções de combate à desertificação, da diversidade e das alterações climáticas e um conjunto de decisões no âmbito do desenvolvimento sustentável, objectivos associados à agenda 21.
Depois decorreu a Cimeira da Terra de Joanesburgo, em 2002, que também teve bastante peso mas não foi tão marcante. De qualquer forma procurou traçar objectivos para 2015.
Agora temos esta, que chega depois da ressaca que foi a Cimeira de Copenhaga, onde esteve presente uma concentração de políticos mundiais difícil de repetir. Nela não se conseguiram tomar decisões cruciais.
As pessoas estão desfasadas e o mundo também. Na Eco-92 houve uma verdadeira mobilização de gente, comunidades, países. Havia ânimo.
Mas em relação ao Rio+20, e olhando para os documentos, o que é que está em cima da mesa?
A prioridade é dada ao emprego verde, com ligação ao sector das energias renováveis e às questões ligadas às alterações climáticas. Vem na lógica de um conjunto de acções em prol do ambiente motivadoras e mobilizadoras de emprego.
Mas isso só é possível se quem ganha muito estiver disposto a auferir menos e partilhar mais. É uma condição indispensável mas difícil de mudar num sistema capitalista, neo-liberal, até mais centralizado em alguns países.
Depois, vemos que os documentos em cima da mesa olham para o que se fará com a Agenda 21 e os objectivos da Cimeira da Terra e do Milénio. Mas o futuro é encarado a curto prazo.
Mesmo na área da energia, uma conferência destas, realizada em 2012, tinha de ter objectivos muito mais ambiciosos. Tinha de olhar para 2050, por exemplo. Nessa data, como é que queremos que seja o mundo do ponto de vista energético e em relação à qualidade de vida nas suas diferentes vertentes, no uso dos recursos, na exploração dos oceanos, etc.?
E o que é que se pretende?
Na parte institucional, querem transformar o Programa das Nações Unidas para o Ambiente numa agência. É uma das propostas. O problema é que tirando coisas como esta, em que se percebe as decisões, tudo o que diz respeito a metas que, na Eco-92 ou mesmo em Joanesburgo, estavam em cima da mesa e eram perceptíveis, olhando tema a tema tudo o que está lá é muito vago, pouco concreto.
Não será um receio devido ao que aconteceu anteriormente, em que não houve consensos?
Na verdade estamos na ressaca de Copenhaga. Passaram três anos e se calhar mais vale a pena não ter objectivos ambiciosos que não possam ser cumpridos.
O mais crucial é que esta cimeira do Rio de Janeiro aparenta mais ser uma acção de sensibilização para o caminho que se tem de começar do que fazer o caminho. Parece que estamos mais no começo, a apalpar o terreno, para ver para onde é que vamos, do que a colocar questões concretas.
E depois ninguém tem a coragem de pôr o sistema em causa. Mas alguém tem de o fazer. Por isso, considero importante que, para além da cimeira institucional, haja a cúpula dos povos, porque a sociedade civil também terá de fazer os seus alertas. Mesmo assim isso parece ainda pouco.
Espero e desejo que, no tempo que falta, se ganhe alguma embalagem até porque não se sabe, inclusive, quais são os dirigentes que vão estar presentes.
A cimeira parece dar grande importância à economia verde. Qual a vantagem desta para a sustentabilidade do planeta?
Há duas coisas diferentes. Uma é o emprego verde, que implica ter áreas ligadas ao ambiente capazes de mobilizar emprego. Outra é a economia verde, que me parece um desafio muito maior.
Nós começámos por tentar taxar as emissões de dióxido de carbono, para passarem a ter um valor. Mas isso é só o início, pois temos de passar a quantificar e valorizar os serviços dos ecossistemas.
A verdadeira economia verde dá valor a um país como o Brasil, que fornece oxigénio, biodiversidade, retira carbono e alimenta uma floresta que abastece aquíferos e garante o fornecimento de rios. E quem fala da Amazónia também pode referir-se a uma herdade qualquer do país.
A economia verde passa, assim, pela atribuição de um valor aos serviços dos ecossistemas do ponto de vista económico. Se eu não tiver esta economia verde, nunca conseguirei avaliar e valorizar o desenvolvimento sustentável. A economia verde já funciona um pouco, mas numa lógica de marketing.
Lembro-me bem a altura em que muitas câmaras reclamavam por terem parques ou reservas naturais nos seus concelhos e não poderem construir.
Mais tarde, começaram a perceber que isso podia ser um chamariz em termos de imagem e turísticos. Mas o facto é que esse serviço não é realmente valorizado. O mesmo acontece com o conjunto de serviços da natureza e dos ecossistemas que são prestados por uma região como a Serra da Estrela, que abastece o Mondego e o Zêzere. Não são classificados e são dados como gratuitos.
A economia verde implica, assim, olhar para o ambiente de uma forma integrada e traduzir isso do ponto de vista económico. Esse é o grande desafio.
Quais são as medidas implementadas de eficiência energética com influência mais favorável na melhoria do ambiente global?
Quando falamos de eficiência energética, gosto muito de distinguir duas áreas que me parecem importantes. Uma delas é a tecnologia, onde temos conseguido avanços consideráveis.
É difícil quais têm sido as melhores medidas, mas temos de dar uma grande importância às da componente urbana, as dos edifícios. Tudo o que diz respeito à melhoria da eficiência energética na sua climatização tem impacte extremamente significativo.
Outros avanços significativos são a lâmpada economizadora, os carros eléctricos, que são mais eficientes e gastam menos ou o ar condicionado com bomba de calor. Consegue produzir muito mais frio consumindo menos electricidade. Mas ainda há algo extremamente decisivo: os comportamentos.
Nesse sentido, tenho um aparelho em casa que permite consultar os consumos de electricidade. Através dele consigo saber o que está ou não ligado e tomar decisões. Mas se não forem tomadas as medidas certas, a tecnologia não serve para nada.
O melhor exemplo tem a ver com o uso do carro. Pode ser o mais eficiente do mundo, mas se eu não tiver uma condução segura, ecológica, calma, isso não me serve de nada. Até posso consumir menos num carro energeticamente menos eficiente, que me obrigue a ter uma condução mais cautelosa. Ou seja, a questão da eficiência energética prende-se muito com este binómio da tecnologia dos equipamentos e comportamentos das pessoas.
Eu acho que as medidas mais importantes, que vão sendo tomadas ao nível da eficiência, acabam por ser comandadas pelos custos. Quando se vê que a venda de combustíveis caiu 10% em relação ao período homólogo de 2011 e electricidade está a baixar, verificamos que o preço nos leva a pensar na eficiência e, em alguns casos, a perder conforto. Mas em muitos casos isso faz-nos reduzir os desperdícios.
Apesar de ser duro de ouvir, acho também que temos consumos pelos quais ainda pagamos muito pouco. Como é que é possível fazer uma viagem de Lisboa a Madrid por 43 euros? Paga o impacto individual no aeroporto, avião, no consumo de combustível? Quem fala do avião fala noutros casos. O que eu quero dizer é que o dilema da eficiência está na forma de traduzir, no preço, a veracidade dos custos dos bens que utilizo.
Qual é a situação actual do nosso país em termos ambientais e de conservação da biodiversidade animal e vegetal?
Devido a nós e Espanha nos termos atrasado e à pressão populacional não ter sido tão grande como noutros países, temos mais de 20% em rede Natura e uma diversidade de habitats que não existe nos outros países europeus. É essa biodiversidade que nós ainda não sabemos rentabilizar. É preciso dar-lhe o devido valor.
Outro dia estive num centro de interpretação da Serra da Estrela, onde um técnico tinha tido cancro. Ele disse-me que os medicamentos que tomou tinham todas origem em plantas. Não incluíam substâncias activas de origem sintética. As farmacêuticas tinham procurado e investigado, junto de diversos povos, o uso de plantas, e lançado os medicamentos. Este exemplo quer salientar que nós usamos a biodiversidade.
Mas já demos cabo de muita coisa. Mas a crise, ao parar uma série de investimentos, asneiras como a construção de estradas desnecessárias que iam cortar corredores ecológicos, destruir a paisagem e cortar a biodiversidade, para depois não terem carros, está a ajudar. Felizmente também parou a construção de zonas turísticas vastas em sítios sensíveis. Pelo menos por agora.
Nós temos tido uma batalha complicada com a preservação da biodiversidade. Apesar de pensar que as pessoas já começaram a perceber que vale a pena preservá-la, ainda estamos longe do que seria desejável.
Cuidar da biodiversidade implica também investimentos para se poder colher qualquer coisa dela. Mas é algo que não se fala actualmente no país.
O que é se pode esperar para o futuro do planeta onde vivemos?
Eu acho que temos sempre de ser optimistas. Nós vamos esticando a corda e depois temos grandes surpresas, como alguns desastres naturais com causas humanas. Há riscos que nós ampliamos. E as alterações climáticas são uma ameaça muito grande. Nós não a sentimos com tanta força, mas quem estiver em África e seja mais vulnerável, é óbvio que sente mais.
Os dias vão ser difíceis nas próximas décadas. Mas sê-lo-ão mais para os que têm menor poder de compra, menor educação e cultura e vivem em sítios com maior pressão populacional.
Eu acho que vamos ter de bater mais fundo para mudarmos o paradigma, o que é pena. Felizmente, com a ciência, tecnologia e cultura que temos, já conseguimos antecipar o que vai suceder. Há modelos e previsões. Mas daí até se obter políticas e acções vai muito tempo. É, por isso, que costumo dizer que só as teorias de catástrofe é que fazem as pessoas agir. Quanto mais tarde isso acontecer, maiores serão os custos. Mas eu, para bem da minha felicidade e de um espírito proactivo, prefiro não me meter nesse caminho e continuar a pensar que conseguimos mudar.
Perfil
Ecologista e investigador das alterações climáticas
Francisco Cardoso Ferreira licenciou-se em Engenharia do Ambiente na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT/UNL) em 1989. Efectuou o mestrado em Virginia Tech, Estados Unidos e concluiu o doutoramento na FCT/UNL em 1998. Tem coordenado projectos de investigação no domínio das alterações climáticas e avaliação da qualidade do ar, leccionando estas áreas, para além de poluição acústica e monitorização de sistemas ambientais. Foi Presidente da Quercus de 1996 a 2001, organização a que continua a pertencer. É membro do Conselho Nacional da Água.
Francisco Ferreira, professor na Universidade Nova e membro da Quercus, prefere ser optimista quanto ao futuro da humanidade e do planeta, apesar de pensar que só teorias de catástrofe levam a humanidade a mudar. Mas acha que os próximos tempos serão difíceis para a humanidade, principalmente para os seres humanos com menor poder de compra, educação e cultura, que vivam em sítios com maior pressão populacional.
Quais são os avanços que espera que sejam alcançados na Cimeira Rio+20?
Honestamente, poucos. Acho que vai ser uma conferência complicada. Nós tivemos a Eco-92, que foi um marco apesar de os seus resultados poderem ser contestados, porque as convenções que daí resultaram não tiveram o efeito que seria desejável.
Mas o que é facto é que conseguimos a Agenda 21 e as convenções de combate à desertificação, da diversidade e das alterações climáticas e um conjunto de decisões no âmbito do desenvolvimento sustentável, objectivos associados à agenda 21.
Depois decorreu a Cimeira da Terra de Joanesburgo, em 2002, que também teve bastante peso mas não foi tão marcante. De qualquer forma procurou traçar objectivos para 2015.
Agora temos esta, que chega depois da ressaca que foi a Cimeira de Copenhaga, onde esteve presente uma concentração de políticos mundiais difícil de repetir. Nela não se conseguiram tomar decisões cruciais.
As pessoas estão desfasadas e o mundo também. Na Eco-92 houve uma verdadeira mobilização de gente, comunidades, países. Havia ânimo.
Mas em relação ao Rio+20, e olhando para os documentos, o que é que está em cima da mesa?
A prioridade é dada ao emprego verde, com ligação ao sector das energias renováveis e às questões ligadas às alterações climáticas. Vem na lógica de um conjunto de acções em prol do ambiente motivadoras e mobilizadoras de emprego.
Mas isso só é possível se quem ganha muito estiver disposto a auferir menos e partilhar mais. É uma condição indispensável mas difícil de mudar num sistema capitalista, neo-liberal, até mais centralizado em alguns países.
Depois, vemos que os documentos em cima da mesa olham para o que se fará com a Agenda 21 e os objectivos da Cimeira da Terra e do Milénio. Mas o futuro é encarado a curto prazo.
Mesmo na área da energia, uma conferência destas, realizada em 2012, tinha de ter objectivos muito mais ambiciosos. Tinha de olhar para 2050, por exemplo. Nessa data, como é que queremos que seja o mundo do ponto de vista energético e em relação à qualidade de vida nas suas diferentes vertentes, no uso dos recursos, na exploração dos oceanos, etc.?
E o que é que se pretende?
Na parte institucional, querem transformar o Programa das Nações Unidas para o Ambiente numa agência. É uma das propostas. O problema é que tirando coisas como esta, em que se percebe as decisões, tudo o que diz respeito a metas que, na Eco-92 ou mesmo em Joanesburgo, estavam em cima da mesa e eram perceptíveis, olhando tema a tema tudo o que está lá é muito vago, pouco concreto.
Não será um receio devido ao que aconteceu anteriormente, em que não houve consensos?
Na verdade estamos na ressaca de Copenhaga. Passaram três anos e se calhar mais vale a pena não ter objectivos ambiciosos que não possam ser cumpridos.
O mais crucial é que esta cimeira do Rio de Janeiro aparenta mais ser uma acção de sensibilização para o caminho que se tem de começar do que fazer o caminho. Parece que estamos mais no começo, a apalpar o terreno, para ver para onde é que vamos, do que a colocar questões concretas.
E depois ninguém tem a coragem de pôr o sistema em causa. Mas alguém tem de o fazer. Por isso, considero importante que, para além da cimeira institucional, haja a cúpula dos povos, porque a sociedade civil também terá de fazer os seus alertas. Mesmo assim isso parece ainda pouco.
Espero e desejo que, no tempo que falta, se ganhe alguma embalagem até porque não se sabe, inclusive, quais são os dirigentes que vão estar presentes.
A cimeira parece dar grande importância à economia verde. Qual a vantagem desta para a sustentabilidade do planeta?
Há duas coisas diferentes. Uma é o emprego verde, que implica ter áreas ligadas ao ambiente capazes de mobilizar emprego. Outra é a economia verde, que me parece um desafio muito maior.
Nós começámos por tentar taxar as emissões de dióxido de carbono, para passarem a ter um valor. Mas isso é só o início, pois temos de passar a quantificar e valorizar os serviços dos ecossistemas.
A verdadeira economia verde dá valor a um país como o Brasil, que fornece oxigénio, biodiversidade, retira carbono e alimenta uma floresta que abastece aquíferos e garante o fornecimento de rios. E quem fala da Amazónia também pode referir-se a uma herdade qualquer do país.
A economia verde passa, assim, pela atribuição de um valor aos serviços dos ecossistemas do ponto de vista económico. Se eu não tiver esta economia verde, nunca conseguirei avaliar e valorizar o desenvolvimento sustentável. A economia verde já funciona um pouco, mas numa lógica de marketing.
Lembro-me bem a altura em que muitas câmaras reclamavam por terem parques ou reservas naturais nos seus concelhos e não poderem construir.
Mais tarde, começaram a perceber que isso podia ser um chamariz em termos de imagem e turísticos. Mas o facto é que esse serviço não é realmente valorizado. O mesmo acontece com o conjunto de serviços da natureza e dos ecossistemas que são prestados por uma região como a Serra da Estrela, que abastece o Mondego e o Zêzere. Não são classificados e são dados como gratuitos.
A economia verde implica, assim, olhar para o ambiente de uma forma integrada e traduzir isso do ponto de vista económico. Esse é o grande desafio.
Quais são as medidas implementadas de eficiência energética com influência mais favorável na melhoria do ambiente global?
Quando falamos de eficiência energética, gosto muito de distinguir duas áreas que me parecem importantes. Uma delas é a tecnologia, onde temos conseguido avanços consideráveis.
É difícil quais têm sido as melhores medidas, mas temos de dar uma grande importância às da componente urbana, as dos edifícios. Tudo o que diz respeito à melhoria da eficiência energética na sua climatização tem impacte extremamente significativo.
Outros avanços significativos são a lâmpada economizadora, os carros eléctricos, que são mais eficientes e gastam menos ou o ar condicionado com bomba de calor. Consegue produzir muito mais frio consumindo menos electricidade. Mas ainda há algo extremamente decisivo: os comportamentos.
Nesse sentido, tenho um aparelho em casa que permite consultar os consumos de electricidade. Através dele consigo saber o que está ou não ligado e tomar decisões. Mas se não forem tomadas as medidas certas, a tecnologia não serve para nada.
O melhor exemplo tem a ver com o uso do carro. Pode ser o mais eficiente do mundo, mas se eu não tiver uma condução segura, ecológica, calma, isso não me serve de nada. Até posso consumir menos num carro energeticamente menos eficiente, que me obrigue a ter uma condução mais cautelosa. Ou seja, a questão da eficiência energética prende-se muito com este binómio da tecnologia dos equipamentos e comportamentos das pessoas.
Eu acho que as medidas mais importantes, que vão sendo tomadas ao nível da eficiência, acabam por ser comandadas pelos custos. Quando se vê que a venda de combustíveis caiu 10% em relação ao período homólogo de 2011 e electricidade está a baixar, verificamos que o preço nos leva a pensar na eficiência e, em alguns casos, a perder conforto. Mas em muitos casos isso faz-nos reduzir os desperdícios.
Apesar de ser duro de ouvir, acho também que temos consumos pelos quais ainda pagamos muito pouco. Como é que é possível fazer uma viagem de Lisboa a Madrid por 43 euros? Paga o impacto individual no aeroporto, avião, no consumo de combustível? Quem fala do avião fala noutros casos. O que eu quero dizer é que o dilema da eficiência está na forma de traduzir, no preço, a veracidade dos custos dos bens que utilizo.
Qual é a situação actual do nosso país em termos ambientais e de conservação da biodiversidade animal e vegetal?
Devido a nós e Espanha nos termos atrasado e à pressão populacional não ter sido tão grande como noutros países, temos mais de 20% em rede Natura e uma diversidade de habitats que não existe nos outros países europeus. É essa biodiversidade que nós ainda não sabemos rentabilizar. É preciso dar-lhe o devido valor.
Outro dia estive num centro de interpretação da Serra da Estrela, onde um técnico tinha tido cancro. Ele disse-me que os medicamentos que tomou tinham todas origem em plantas. Não incluíam substâncias activas de origem sintética. As farmacêuticas tinham procurado e investigado, junto de diversos povos, o uso de plantas, e lançado os medicamentos. Este exemplo quer salientar que nós usamos a biodiversidade.
Mas já demos cabo de muita coisa. Mas a crise, ao parar uma série de investimentos, asneiras como a construção de estradas desnecessárias que iam cortar corredores ecológicos, destruir a paisagem e cortar a biodiversidade, para depois não terem carros, está a ajudar. Felizmente também parou a construção de zonas turísticas vastas em sítios sensíveis. Pelo menos por agora.
Nós temos tido uma batalha complicada com a preservação da biodiversidade. Apesar de pensar que as pessoas já começaram a perceber que vale a pena preservá-la, ainda estamos longe do que seria desejável.
Cuidar da biodiversidade implica também investimentos para se poder colher qualquer coisa dela. Mas é algo que não se fala actualmente no país.
O que é se pode esperar para o futuro do planeta onde vivemos?
Eu acho que temos sempre de ser optimistas. Nós vamos esticando a corda e depois temos grandes surpresas, como alguns desastres naturais com causas humanas. Há riscos que nós ampliamos. E as alterações climáticas são uma ameaça muito grande. Nós não a sentimos com tanta força, mas quem estiver em África e seja mais vulnerável, é óbvio que sente mais.
Os dias vão ser difíceis nas próximas décadas. Mas sê-lo-ão mais para os que têm menor poder de compra, menor educação e cultura e vivem em sítios com maior pressão populacional.
Eu acho que vamos ter de bater mais fundo para mudarmos o paradigma, o que é pena. Felizmente, com a ciência, tecnologia e cultura que temos, já conseguimos antecipar o que vai suceder. Há modelos e previsões. Mas daí até se obter políticas e acções vai muito tempo. É, por isso, que costumo dizer que só as teorias de catástrofe é que fazem as pessoas agir. Quanto mais tarde isso acontecer, maiores serão os custos. Mas eu, para bem da minha felicidade e de um espírito proactivo, prefiro não me meter nesse caminho e continuar a pensar que conseguimos mudar.
Perfil
Ecologista e investigador das alterações climáticas
Francisco Cardoso Ferreira licenciou-se em Engenharia do Ambiente na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT/UNL) em 1989. Efectuou o mestrado em Virginia Tech, Estados Unidos e concluiu o doutoramento na FCT/UNL em 1998. Tem coordenado projectos de investigação no domínio das alterações climáticas e avaliação da qualidade do ar, leccionando estas áreas, para além de poluição acústica e monitorização de sistemas ambientais. Foi Presidente da Quercus de 1996 a 2001, organização a que continua a pertencer. É membro do Conselho Nacional da Água.