Notícia
Há um potencial a explorar no mar
As Zona Económica Exclusiva e Plataforma Continental nacionais, dadas as suas extensões, têm um potencial considerável em termos de exploração de recursos genéticos revela Paula Sarmento, presidente do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade
06 de Junho de 2012 às 09:00
Paula Sarmento, Presidente do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade
É inquestionável o interesse das indústrias farmacêutica, cosmética, alimentar, biotecnológica na exploração de recursos genéticos, em particular os marinhos, pois alguns produtos que comercializam incluem-nos na sua composição. Paula Sarmento considera que a diversidade biológica marinha deve ser explorada, apesar dos custos de bioprospeção no mar serem significativamente superiores aos terrestres. Os ganhos económicos em perspectiva serão positivos para o país.
Quais têm sido os principais efeitos negativos da actividade humana na biodiversidade do planeta?
As actividades humanas, quando promovidas de modo não sustentável, contribuem para a ruptura e empobrecimento dos serviços prestados pelos ecossistemas, com consequências sobejamente identificáveis e por vezes devastadoras. São os casos da depleção de stocks de recursos naturais, aumento da vulnerabilidade a catástrofes naturais, pragas sanitárias e fitossanitárias e empobrecimento paisagístico.
Em termos globais, o que é que tem sido feito para os minorar ou suprimir?
A biodiversidade e os serviços ecossistémicos devem ser devidamente valorizados e tomados em conta pelas entidades públicas e empresas. É preciso ser promovida a utilização de instrumentos financeiros e de mercado inovadores e explorado o seu potencial, incluindo a possível criação de um mecanismo de financiamento da biodiversidade e de pagamento por serviços ecossistémicos, a fim de responder aos desafios relativos aos ecossistemas e à biodiversidade ao nível nacional, da União Europeia (UE) e internacional.
Estima-se que, até 2050, as oportunidades empresariais mundiais dependentes da biodiversidade e dos serviços dos ecossistemas subjacentes poderão atingir valores muito elevados. No entanto, o valor da biodiversidade só recentemente integra o processo de tomada de decisões, o que é determinante para a sua preservação.
Portugal é considerado um dos países mais ricos da Europa em termos de biodiversidade. O que é tem de diferente neste campo?
A localização geográfica e as características geofísicas, de solo e clima do território português foram modeladas pela intervenção humana com intensidade variável conforme as épocas. Isso deu origem a uma grande variedade de biótopos, ecossistemas e paisagens, mais ou menos humanizados, e à existência de um elevado número de habitats que albergam uma grande diversidade de espécies com os seus múltiplos genótipos.
Portugal possui ainda uma linha de costa extensa, razoavelmente conservada e com níveis de poluição relativamente reduzidos. Por isso merece especial referência a riqueza dos seus ecossistemas costeiros e marinhos. Neste contexto, as Zona Económica Exclusiva e Plataforma Continental nacionais, dadas as suas extensões, têm um potencial considerável em termos de exploração de recursos genéticos.
Quais são as nossas principais jóias de biodiversidade?
Portugal apresenta uma elevada riqueza e diversidade de espécies e habitats, bem como uma grande heterogeneidade em termos da sua paisagem e território. Destaca-se a faixa litoral terrestre e marinha, em particular os estuários, rias e as lagoas costeiras de dimensão e importância mundial, seja em termos da sua área absoluta, seja pela sua produtividade em termos dos serviços fornecidos para a pesca, aquicultura, turismo e actividades marítimo-portuárias.
Os oceanos e o meio marinho da nossa ZEE são importantes pela diversidade dos seus ecossistemas, e pelo nosso interesse económico na área das pescas e da biotecnologia associada a exploração sustentável dos recursos genéticos.
Também os nossos ecossistemas florestais, sobretudo os carvalhais e, em particular, os montados de sobro e azinho, se podem considerar "jóias de biodiversidade" devido à sua multifuncionalidade e relevância económica, e pelas actividades agro-silvo-pastoris e de caça. Por último quero referir as nossas Áreas Protegidas, cada uma delas devido aos seus aspectos característicos.
Quais são os principais riscos actuais de deterioração da biodiversidade nacional?
Citaria a sobre-exploração de recursos, a destruição e fragmentação de habitats, em particular os fluviais e costeiros, a pressão urbanística e a introdução/propagação de espécies exóticas invasoras.
O que é que está actualmente a ser feito para os atenuar ou superar?
A actuação nacional nesta área está enquadrada pelas políticas comunitárias e fortemente condicionada pelo quadro económico e financeiro actual.
A revisão das Políticas Comuns de Pesca e da Agricultura constituem oportunidades para garantir a capacidade do país para investir no capital natural e na manutenção e recuperação dos serviços dos ecossistemas, enquanto factores de diversificação e inovação dos mercados, da sua valorização e da criação de emprego. De fato, uma parte relevante da biodiversidade terrestre e marinha do país depende directamente da política agrícola, das pescas e do esforço de coesão estrutural que decorrerá do próximo período financeiro comunitário.
A avaliação de impactes ambientais dos planos e projectos tem um papel fundamental na minimização destes riscos. Este exercício não se esgota na fase de projecto, devendo ser assegurada a monitorização na fase de exploração e consequentemente a eventual revisão das medidas programadas.
No caso do ordenamento do território, os instrumentos de gestão territorial são relevantes. Destacam-se, no caso da orla costeira, a implementação dos planos de ordenamento, incluindo a avaliação da capacidade de carga das zonas litorais.
É também relevante a implementação de projectos de controlo de espécies exóticas invasoras, com base em estudos da sua ecologia.
Tem-se dado mais atenção aos problemas da biodiversidade terrestre em relação ao que se passa na água, em particular nos oceanos?
É verdade que a acção do ICNB tem incidido principalmente sobre a biodiversidade terrestre. No entanto estão a ser dados os primeiros passos para a adopção de medidas para a protecção dos ecossistemas marinhos, sobretudo através da implementação da Estratégia Nacional para o Mar. As ameaças à biodiversidade marinha, na sua essência, são idênticas às relativas à biodiversidade terrestre. Comprometem o fornecimento de bens e serviços que a biodiversidade marinha nos oferece.
Por isso, a biodiversidade marinha nacional deve ser alvo de monitorização periódica, sendo necessária a definição de indicadores relevantes e adequados que permitam aferir se os Planos/Programas setoriais adotados geraram ou não benefícios.
A aposta de Portugal na extensão da sua plataforma continental poderá determinar alguns avanços no estudo da biodiversidade marinha?
Sem dúvida. No âmbito da proposta de extensão da plataforma continental, foi criado o Programa Marine Biodiversity Information System (M@rBIS), através de um protocolo entre o ICNB, a quem compete recomendar os requisitos técnicos e científicos, a Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar (EMAM), que coordena o projecto, e a Galp Energia, que o patrocina no âmbito da iniciativa Business & Biodiversity.
O M@rBIS destina-se a criar um sistema de informação sobre a biodiversidade marinha que permitirá, a Portugal, dispor de um inventário e cartografia dos valores marinhos, identificando as espécies e os locais com maior importância para a sua conservação. O sistema será usado para apoio à decisão, nomeadamente no âmbito da identificação e delimitação de eventuais locais da rede Natura 2000 no meio marinho nacional, constituindo-se num poderoso instrumento de investigação, desenvolvimento e conservação ambiental.
De que forma é que as descobertas que forem feitas podem ser aproveitadas como acréscimo de riqueza económica e natural portuguesa?
O potencial do mar português foi recentemente bem descrito pelo secretário de Estado do Mar, Manuel Abreu.
Citaria como exemplo do potencial da biodiversidade marinha nacional, o fato dos recursos genéticos marinhos terem demonstrado ser fonte de agentes biológicos ativos, muitos de novas classes de químicos, designadamente como agentes quimioterapêuticos. É inquestionável o interesse das indústrias farmacêutica, cosmética, alimentar, biotecnológica na exploração de recursos genéticos em geral e, cada vez mais dos marinhos, pois alguns produtos que comercializam incluem-nos na sua composição.
Apesar dos custos envolvidos na bioprospeção marinha serem consideravelmente superiores aos inerentes à bioprospeção terrestre, creio que os recursos genéticos marinhos têm grande potencial em termos de geração de benefícios económicos, e não só, para o país.
Perfil
A engenheira que cuida do ambiente
A actual presidente do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB), Paula Sarmento, 49 anos, é engenharia do Ambiente pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e mestre em Geo-Recursos, pelo Instituto Superior Técnico. Foi técnica superior na Comissão de Coordenação Regional da Região de Lisboa e Vale do Tejo (DRARN), trabalhou na Emporsil - Empresa Portuguesa de Silvicultura e na Somincor- Sociedade Mineira de Neves Corvo, entre outros. Antes de assumir o cargo actual, era presidente da Administração da Região Hidrográfica do Alentejo e quadro da EDIA, empresa que gere o empreendimento do Alqueva.
É inquestionável o interesse das indústrias farmacêutica, cosmética, alimentar, biotecnológica na exploração de recursos genéticos, em particular os marinhos, pois alguns produtos que comercializam incluem-nos na sua composição. Paula Sarmento considera que a diversidade biológica marinha deve ser explorada, apesar dos custos de bioprospeção no mar serem significativamente superiores aos terrestres. Os ganhos económicos em perspectiva serão positivos para o país.
Quais têm sido os principais efeitos negativos da actividade humana na biodiversidade do planeta?
As actividades humanas, quando promovidas de modo não sustentável, contribuem para a ruptura e empobrecimento dos serviços prestados pelos ecossistemas, com consequências sobejamente identificáveis e por vezes devastadoras. São os casos da depleção de stocks de recursos naturais, aumento da vulnerabilidade a catástrofes naturais, pragas sanitárias e fitossanitárias e empobrecimento paisagístico.
Em termos globais, o que é que tem sido feito para os minorar ou suprimir?
A biodiversidade e os serviços ecossistémicos devem ser devidamente valorizados e tomados em conta pelas entidades públicas e empresas. É preciso ser promovida a utilização de instrumentos financeiros e de mercado inovadores e explorado o seu potencial, incluindo a possível criação de um mecanismo de financiamento da biodiversidade e de pagamento por serviços ecossistémicos, a fim de responder aos desafios relativos aos ecossistemas e à biodiversidade ao nível nacional, da União Europeia (UE) e internacional.
Estima-se que, até 2050, as oportunidades empresariais mundiais dependentes da biodiversidade e dos serviços dos ecossistemas subjacentes poderão atingir valores muito elevados. No entanto, o valor da biodiversidade só recentemente integra o processo de tomada de decisões, o que é determinante para a sua preservação.
Portugal é considerado um dos países mais ricos da Europa em termos de biodiversidade. O que é tem de diferente neste campo?
A localização geográfica e as características geofísicas, de solo e clima do território português foram modeladas pela intervenção humana com intensidade variável conforme as épocas. Isso deu origem a uma grande variedade de biótopos, ecossistemas e paisagens, mais ou menos humanizados, e à existência de um elevado número de habitats que albergam uma grande diversidade de espécies com os seus múltiplos genótipos.
Portugal possui ainda uma linha de costa extensa, razoavelmente conservada e com níveis de poluição relativamente reduzidos. Por isso merece especial referência a riqueza dos seus ecossistemas costeiros e marinhos. Neste contexto, as Zona Económica Exclusiva e Plataforma Continental nacionais, dadas as suas extensões, têm um potencial considerável em termos de exploração de recursos genéticos.
Quais são as nossas principais jóias de biodiversidade?
Portugal apresenta uma elevada riqueza e diversidade de espécies e habitats, bem como uma grande heterogeneidade em termos da sua paisagem e território. Destaca-se a faixa litoral terrestre e marinha, em particular os estuários, rias e as lagoas costeiras de dimensão e importância mundial, seja em termos da sua área absoluta, seja pela sua produtividade em termos dos serviços fornecidos para a pesca, aquicultura, turismo e actividades marítimo-portuárias.
Os oceanos e o meio marinho da nossa ZEE são importantes pela diversidade dos seus ecossistemas, e pelo nosso interesse económico na área das pescas e da biotecnologia associada a exploração sustentável dos recursos genéticos.
Também os nossos ecossistemas florestais, sobretudo os carvalhais e, em particular, os montados de sobro e azinho, se podem considerar "jóias de biodiversidade" devido à sua multifuncionalidade e relevância económica, e pelas actividades agro-silvo-pastoris e de caça. Por último quero referir as nossas Áreas Protegidas, cada uma delas devido aos seus aspectos característicos.
Quais são os principais riscos actuais de deterioração da biodiversidade nacional?
Citaria a sobre-exploração de recursos, a destruição e fragmentação de habitats, em particular os fluviais e costeiros, a pressão urbanística e a introdução/propagação de espécies exóticas invasoras.
O que é que está actualmente a ser feito para os atenuar ou superar?
A actuação nacional nesta área está enquadrada pelas políticas comunitárias e fortemente condicionada pelo quadro económico e financeiro actual.
A revisão das Políticas Comuns de Pesca e da Agricultura constituem oportunidades para garantir a capacidade do país para investir no capital natural e na manutenção e recuperação dos serviços dos ecossistemas, enquanto factores de diversificação e inovação dos mercados, da sua valorização e da criação de emprego. De fato, uma parte relevante da biodiversidade terrestre e marinha do país depende directamente da política agrícola, das pescas e do esforço de coesão estrutural que decorrerá do próximo período financeiro comunitário.
A avaliação de impactes ambientais dos planos e projectos tem um papel fundamental na minimização destes riscos. Este exercício não se esgota na fase de projecto, devendo ser assegurada a monitorização na fase de exploração e consequentemente a eventual revisão das medidas programadas.
No caso do ordenamento do território, os instrumentos de gestão territorial são relevantes. Destacam-se, no caso da orla costeira, a implementação dos planos de ordenamento, incluindo a avaliação da capacidade de carga das zonas litorais.
É também relevante a implementação de projectos de controlo de espécies exóticas invasoras, com base em estudos da sua ecologia.
Tem-se dado mais atenção aos problemas da biodiversidade terrestre em relação ao que se passa na água, em particular nos oceanos?
É verdade que a acção do ICNB tem incidido principalmente sobre a biodiversidade terrestre. No entanto estão a ser dados os primeiros passos para a adopção de medidas para a protecção dos ecossistemas marinhos, sobretudo através da implementação da Estratégia Nacional para o Mar. As ameaças à biodiversidade marinha, na sua essência, são idênticas às relativas à biodiversidade terrestre. Comprometem o fornecimento de bens e serviços que a biodiversidade marinha nos oferece.
Por isso, a biodiversidade marinha nacional deve ser alvo de monitorização periódica, sendo necessária a definição de indicadores relevantes e adequados que permitam aferir se os Planos/Programas setoriais adotados geraram ou não benefícios.
A aposta de Portugal na extensão da sua plataforma continental poderá determinar alguns avanços no estudo da biodiversidade marinha?
Sem dúvida. No âmbito da proposta de extensão da plataforma continental, foi criado o Programa Marine Biodiversity Information System (M@rBIS), através de um protocolo entre o ICNB, a quem compete recomendar os requisitos técnicos e científicos, a Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar (EMAM), que coordena o projecto, e a Galp Energia, que o patrocina no âmbito da iniciativa Business & Biodiversity.
O M@rBIS destina-se a criar um sistema de informação sobre a biodiversidade marinha que permitirá, a Portugal, dispor de um inventário e cartografia dos valores marinhos, identificando as espécies e os locais com maior importância para a sua conservação. O sistema será usado para apoio à decisão, nomeadamente no âmbito da identificação e delimitação de eventuais locais da rede Natura 2000 no meio marinho nacional, constituindo-se num poderoso instrumento de investigação, desenvolvimento e conservação ambiental.
De que forma é que as descobertas que forem feitas podem ser aproveitadas como acréscimo de riqueza económica e natural portuguesa?
O potencial do mar português foi recentemente bem descrito pelo secretário de Estado do Mar, Manuel Abreu.
Citaria como exemplo do potencial da biodiversidade marinha nacional, o fato dos recursos genéticos marinhos terem demonstrado ser fonte de agentes biológicos ativos, muitos de novas classes de químicos, designadamente como agentes quimioterapêuticos. É inquestionável o interesse das indústrias farmacêutica, cosmética, alimentar, biotecnológica na exploração de recursos genéticos em geral e, cada vez mais dos marinhos, pois alguns produtos que comercializam incluem-nos na sua composição.
Apesar dos custos envolvidos na bioprospeção marinha serem consideravelmente superiores aos inerentes à bioprospeção terrestre, creio que os recursos genéticos marinhos têm grande potencial em termos de geração de benefícios económicos, e não só, para o país.
Perfil
A engenheira que cuida do ambiente
A actual presidente do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB), Paula Sarmento, 49 anos, é engenharia do Ambiente pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e mestre em Geo-Recursos, pelo Instituto Superior Técnico. Foi técnica superior na Comissão de Coordenação Regional da Região de Lisboa e Vale do Tejo (DRARN), trabalhou na Emporsil - Empresa Portuguesa de Silvicultura e na Somincor- Sociedade Mineira de Neves Corvo, entre outros. Antes de assumir o cargo actual, era presidente da Administração da Região Hidrográfica do Alentejo e quadro da EDIA, empresa que gere o empreendimento do Alqueva.