Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Notícia

Quadros da Vidago destacam distanciamento entre Miguel e José Sousa Cintra

Dois quadros da Vidago, chamados a depor no julgamento de Miguel Sousa Cintra, destacaram o distanciamento profissional entre José Sousa Cintra e o filho, tentando provar assim a ignorância do arguido quanto às negociações de venda da companhia à JM.

12 de Junho de 2003 às 17:23
  • ...
O administrador industrial e o director financeiro da Vidago em 1996, chamados a depor, no julgamento de Miguel Sousa Cintra, destacaram o distanciamento profissional entre José Sousa Cintra e o filho, tentando provar assim a ignorância do arguido quanto às negociações de venda da companhia à Jerónimo Martins.

Esta manhã, foram ouvidas as quatro testemunhas de defesa e dois elementos da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) no julgamento de Miguel Sousa Cintra de alegado abuso de informação privilegiada na compra de acções entre Julho e Outubro de 1996 e, posterior venda em oferta pública de aquisição (OPA) ao grupo Jerónimo Martins. Com esta venda, o arguido realizou mais-valias de 4,37 milhões de euros.

A primeira testemunha, Luís Eça, à data dos factos, administrador da Vidago com o pelouro industrial e a segunda, Carlos Carreiras, director financeiro da Vidago declararam que a relação profissional entre José Sousa Cintra e o arguido, seu filho, não eram as melhores.

«A geração do Miguel é uma e a do seu pai é outra. Têm visões de negócios diferentes», revelou Luís Eça. «A relação pessoal é boa, mas a profissional é completamente incompatível, é que José Sousa Cintra toma as decisões de forma intuitiva e o Miguel fá-las de forma racional», acrescentou Carlos Carreiras.

Da mesma opinião mostrou-se Maria Manuela Marques, outra das testemunhas de defesa. «Eles (Miguel e José Sousa Cintra) tinham uma relação complicada. Gostava muito do filho, mas achava-o muito novo», revelou aquela fonte.

Também são unânimes na mostra de surpresa do anúncio da venda da Vidago ao grupo Jerónimo Martins, em Novembro de 1996, a um preço duas vezes acima da cotação do mercado.

Este é um argumento da defesa do arguido, ter sido também ele apanhado de surpresa da venda da Vidago ao grupo distribuidor nacional nessa data, tendo José Sousa Cintra declarado em tribunal que só informou o filho dessa operação no dia da formalização da transacção.

«Logo que comprou a empresa (em 1982), Sousa Cintra disse-me que jamais venderia a companhia», avançou Luís Eça. «Ele (Sousa Cintra) manifestava sempre que não estava disposto a vender», disse, por seu lado, o ex-director financeiro da Vidago.

A evidenciar esta surpresa esteve ainda a lembrança da intenção da Vidago, em finais de Setembro de 1996, em constituir uma «holding» das águas para agregar os interesses neste sector, com fim a obter sinergias de grupo. Esta decisão, para Luís Eça, vinha provar a ideia de que a Vidago era para ficar em família.

Quadros requereram aumento de posição accionista a Miguel Cintra

Alinhados com as declarações de Paulo Morgado, então director-geral da Vidago, também o ex-director financeiro e o administrador com departamento industrial avançam que terão pedido a Miguel Sousa Cintra, desde 1994, o reforço da posição accionista na Vidago.

Motivo esse que, segundo a defesa, estará por trás das compras em Bolsa do arguido.

Por considerar Sousa Cintra, «uma pessoa autoritária e imprevisível, mais nas compras que nas vendas», Luís Eça disse ter «aliciado o Miguel a ter uma posição forte na companhia» para dominar a Vidago, substituindo o seu pai.

O desejo de ver o arguido à frente dos destinos da Vidago é espelhado no convite para a vice-presidência da Vidago que Miguel Cintra não aceitou. Luís Eça explica esta recusa pelo facto do arguido querer ter uma posição accionista forte antes de assumir aquelas funções.

Este argumento não convence a CMVM. «Adquirir mais 11% não lhe garantia ser sócio maioritário», acrescentou Nuno Casal, colaborador do departamento contencioso da CMVM.

Suspeitas da CMVM baseadas em empréstimo bancário e fortes compras

Os responsáveis da CMVM ouvidos, esta manhã, também se mostraram convictos, à semelhança do seu colega José Martins, de que Miguel Sousa Cintra teve informação não pública sobre as negociações de venda da Vidago à JM.

Custódio Pedro, colaborador da CMVM, desde 1993, e na data, responsável pelo relatório de investigação deste caso que é o primeiro em Portugal a ir a julgamento, referiu que o comportamento de Miguel Sousa Cintra é «padrão do insider tranding».

Segundo revelou, entre 16 de Junho e 4 de Novembro de 1996, período que recaem as acusações, o arguido efectuou sozinho «mais de 60% das transacções das sessões de Bolsa da Vidago», tendo, num único dia - a 18 de Julho -, adquirido mais de metade do «free float», ou 330 mil, das acções que não estavam na posse do núcleo duro de accionistas.

Este foi um dos argumentos utilizado pela CMVM para enviar este processo para a Procuradoria-geral da República. Para Custódio Pedro, o arguido terá «tido informação que não foram públicas para adquirir um grande número de acções».

O grau de parentesco com Sousa Cintra, maior accionista da Vidago e responsável pelas negociações de venda da empresa, também é levado em conta pela CMVM para fundamentar a acusação.

Além destes aspectos, a CMVM, de acordo com as duas testesmunhas - Custódio Pedro e Nuno Casal - a contracção de um empréstimo para comprar valores mobiliários não é aconselhado. «Verificámos que o arguido contraiu um empréstimo para comprar aquelas acções (de 18 de Jullho) e deu-as de penhor do empréstimo», num momento em que a empresa anunciava ao mercado que estava a ultrapassar dificuldades com os prejuízos em Espanha.

O mais provável, neste cenário, era a desvalorização das acções, facto que levaria o arguido a entregar outros bens para assegurar o empréstimo, revelaram aqueles responsáveis.

Nuno Casal, colaborador do departamento contencioso da CMVM, por seu lado, adiantou que acresce que a data do vencimento do empréstimo coincidiu com o lançamento da OPA lançada pela JM sobre a Vidago, o que faz antever, em sua opinião, que o arguido teve informação privilegiada nas compras em Bolsa.

Acusação prescinde de testemunho do CBI para apressar sentença

A juíza levantou hoje o sigilo profissional a Joaquim Reis, operador da Central Banco de Investimento, responsável pela inserção das ordens de compra de acções da Vidago por Miguel Sousa Cintra.

A acusação pediu este levantamento, mas aceitou prescindir dele para apressar a leitura da sentença, prevista para antes das férias judiciais que iniciam a 15 de Julho.

«Prescindo do testemunho» disse a acusação, requerendo, ao arguido o consentimento, de um depoimento por escrito do operador do CBI. A advogada de defesa remeteu para posterior conversa com o cliente para aferir este pedido. Para não demorar o julgamento, a acusação aceitou não ouvir Joaquim Reis, por considerar ter testemunhos necessários à sua fundamentação.

Por Bárbara Leite

Ver comentários
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio