Notícia
Nótula sobre a concorrência desleal (IV) (cont.)
Na verdade, a competição económica é um processo dialético de continuada diferenciação-uniformização: a aquisição por parte de um concorrente de vantagens competitivas (diferenciação) desencadeia uma natural reacção dos demais concorrentes – tendente a im
Na verdade, a competição económica é um processo dialético de continuada diferenciação-uniformização: a aquisição por parte de um concorrente de vantagens competitivas (diferenciação) desencadeia uma natural reacção dos demais concorrentes – tendente a imitar ou incorporar na sua empresa os factores que lhe subjazem – que leva a um novo estádio de uniformização, sucessivamente superado, repetindo-se este esquema «ad infinitum». Sendo assim, que sucederá se começarem a surgir manifestações - não eficaz e prontamente combatidas - de que certos agentes económicos funcionam com menores custos(vantagem concorrencial) em virtude da inobservância de regras fundamentais relativas ao ambiente, à segurança no trabalho ou rodoviária, devido ao incumprimento de obrigações contributivas para a segurança social ou de índole fiscal, etc. ? Ou,mais directamente, que se pode esperar, num ambiente competitivo, se as normas de protecção dos consumidores, reguladoras das actividades económicas, do funcionamento dos mercados e da concorrência, etc., não forem cumpridas por alguns ?
Como infelizmente a experiência confirma, a resposta afigura-se óbvia: a concorrência, aliada à necessidade de sobrevivência ou de simples afirmação nomercado, leva – ou pode levar – a que as situações de cumprimento das normas se tornem economicamente insustentáveis. Consequentemente, estimulará um fenómeno de incumprimento generalizado, o definhamento ou eliminação de quem cumpre, um sentimento geral de injustiça, a descrença na capacidade e «vontade» reguladora do Estado e, em última análise, o descrédito do mesmo Estado. Quer dizer, a concorrência funcionará neste contexto como factor de desagregação económica e social, atingindo, mesmo, uma dimensão política, na medida em que é o próprio Estado que, em vez de se afirmar como Estado de Direito, se resigna à condição de uma espécie de «Estado de facto». A função de selecção dos empresários mais eficientes e das melhores ofertas que o sistema deveria cumprir (ou função de saneamento), com o inerente progresso económico, perde-se. Em última análise, perante uma já conhecida ou experimentada ineficácia do sistema de administração da justiça (ou de aplicação do Direito), os destinatários das normas já nem se preocuparão como seu acatamento; ou seja, uma grande parte dessas normas nem sequer chegará alguma vez a ter aplicação significativa.
Reafirma-se, pois, o ponto de partida enunciado: a concorrência tanto pode ser benéfica ou socialmente útil, como contribuir para agravar as insuficiências naturais de um sistema composto por pessoas e organizações com as suas fraquezas e, inclusive, pôr em causa o próprio Estado de Direito. Aseguir, vai ver-se, mais de perto, que implicações se podem extrair daqui para a construção, actual, do direito da concorrência desleal.
8. Economia de mercado concorrencial e direito da concorrência desleal Enquanto espaço de intercomunicação comunicativa, o sistema de mercado concorrencial assenta na liberdade de decisão esclarecidados vários participantes nesse mercado, em especial dos destinatários de ofertas concorrentes de bens e serviços (máxime, consumidores). E tem, igualmente, na base a liberdade de imitação das iniciativas e resultados da actividade alheia (corolário da liberdade de concorrer, implícita no sistema e, em particular, na liberdade de iniciativa económica), numa medida compatível comessa liberdade de decisão esclarecida e com a apropriaçãopor cada um dos frutos do seu trabalho e investimento (natural pressuposto da iniciativa económica privada e, igualmente, umcorolário do reconhecimento constitucional da liberdade de iniciativaou empresa e da garantia da propriedade privada).
A separação das águas, isto é, daquilo que é permitido e que é proibido, não se põe, assim, em termos de tudo ou nada: torna-se necessário encontrar um ponto de equilíbriocivilmente justo e economicamente adequado. Para além de critérios de índole económica e utilidade social final, importa ter presente que se está perante um espaço de liberdade e de realização pessoal e profissional dos agentes, requerendo umambiente de paz social e a protecção das suas legítimas expectativas.
8.1 Funções clássicas do direito da concorrência desleal. Enquanto direito geral da concorrência, as funções tradicionais do direito da concorrência desleal residem sobretudo aqui: ele é, juntamente como subsistema de direitos privativos, o sector do ordenamento jurídico tendente assegurar as bases do sistema concorrencial e a definiro ponto de equilíbrio capaz de lhe conferir umcarácter salutar. Os objectivos primordiais são os seguintes:
1) Em primeiro lugar, há que assegurar a verificação da condição essencial da própria competição económica que é a identificação ou diferenciaçãodos concorrentes e das respectivas ofertas, sem a qual não há verdadeira possibilidade de escolha e, portanto, não há concorrência. Os actos que tornam impossível essa diferenciação ou criamum risco de confusão ou associaçãoentre ofertas na realidade distintas e independentes são proibidos.
2) Em segundo lugar, importa garantir que a informaçãode mercado relevante exista e seja verdadeira, tendo em conta que as práticas comerciais enganosas, por acção e poromissão, além de atentaremcontra a dignidade das pessoas afectadas (cfr. o art. 1 daCRP), impedem uma escolha esclarecidadaquilo que é oferecido e, portanto, falseiam a concorrência. Para além dos anteriores actos de confusão, todos os demais actos ou práticas tendentes a enganar ou susceptíveis de induzir em erro, influenciando significativa e anomalamente as decisões de transacção dos destinatários de ofertas concorrentes, são, igualmente proibidos.
3) Em terceiro lugar, há que assegurar também a liberdade de decisão, reprimindo as práticas agressivas que a limitam ou coarctam excessivamente.
4) Numa outra ordem de ideias, cumpre também defender os agentes industriosos contra actos de descrédito e criadores de umrisco de depreciaçãodos respectivos elementos ou factores de distinção comercial (em especial, sinais distintivos com valor publicitário, bom nome e crédito de mercado), contra a exploraçãodos respectivos segredos e desses elementos de distinção comercial, bem como, contra a divulgação de informação reservada e outros actos de desorganizaçãoou impeditivos de umanormal afirmação nomercado.
5) Finalmente, a liberdade de imitaçãodos resultados da actividade alheia terá que se confinar dentro de limites compatíveis com os objectivos anteriores (não confundibilidade ou engano, não exploração do crédito comercial alheio e não bloqueio anormal da afirmação no mercado de um concorrente) e, em complemento do sistema de direitos privativos (numamedida compatível com ele), proibir a «apropriação directa» e exploração desses resultados, ao menos em certas circunstâncias (cfr., na sequência da doutrina alemã, sobretudo o art. 5 da lei suíça, «supra», 4.2 7)).
(Continua)