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Ex-governantes de Costa duvidam de novas regras europeias. “O diabo está nos detalhes”

Comissão Europeia apresentou na semana passada nova proposta de regras europeias, mas ainda há questões por definir, como o referencial de redução da dívida. "Só isso vai permitir perceber se esta nova arquitetura não é indutora de políticas de austeridade", avisa a eurodeputada Margarida Marques. Ex-secretário de Estado das Finanças Mourinho Félix avisa mesmo: "O diabo está nos detalhes".

A eurodeputada socialista Margarida Marques foi a relatora do documento em que se propõe um novo enquadramento para a governação económica.
Vitor Mota
18 de Novembro de 2022 às 14:10
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A proposta da Comissão Europeia para rever as regras europeias vai no "bom caminho", mas ex-governantes de António Costa dizem que, sem saber alguns detalhes, como o referencial indicado por Bruxelas para reduzir a dívida, não é possível ainda avaliar o seu impacto. 


A Comissão Europeia apresentou na semana passada a sua proposta para a revisão das regras europeias: embora mantenha a meta dos 3% do défice e dos 60% da dívida, elimina a obrigatoriedade da redução anual de 1/20 da dívida que excede esse limite. Além disso, dá um prazo de quatro anos para os países reduzirem a sua dívida, com base num plano definido pelos Estados-membros mas que parte de regras comuns (definidas por limites da evolução da despesa pública). 


"A proposta vai no sentido certo, mas o diabo está nos detalhes", comentou o ex-secretário de Estado das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, numa conferência sobre o futuro da governação económica da União Europeia, que decorreu na manhã desta sexta-feira, 18 de novembro, no ISEG, em Lisboa.


No entanto, há ainda várias questões por definir e que só devem ser oficialmente conhecidas no primeiro trimestre de 2023, quando a Comissão Europeia apresentar a sua proposta legislativa nesse sentido. "Faltam muitos detalhes", destacou o agora vice-presidente do Banco Europeu de Investimento (BEI).


Por clarificar, enumerou Ricardo Mourinho Félix, estão os critérios orientadores (de limites de despesa) que Bruxelas apresentará para a trajetória de cada país, que tipo de maioria no Conselho aprova os planos nacionais de redução de dívida, o que é que significa um desvio significativo dos objetivos, como é que passam a ser atividas as cláusulas gerais de escape (e as nacionais, que estão agora previstas).


Depois, relativamente às sanções, Mourinho Félix levantou dúvidas também sobre o reforço do mecanismo de sanções: "Os desvios têm de ter consequências, mas sanções têm de ser adequadas, eficientes e não criar estigma desnecessário sobre os países", frisou.


O ex-secretário de Estado dos anteriores governos de Costa (no ministério das Finanças tutelado por Mário Centeno) apontou o dedo sobretudo à possibilidade de os governos dos países que falharem as suas metas serem chamados ao Parlamento Europeu. "Tenho as maiores dúvidas de que seja adequada", frisou. 


Por fim, em cima da mesa está também o risco de as novas regras, apesar de procurarem simplificar o sistema, se tornarem complexas, alertou.


Também a eurodeputada Margarida Marques, que foi secretária de Estado de António Costa com a pasta dos Assuntos Europeus, alinhou pela mesma leitura. "As propostas vão na direção certa", começou por afirmar. "Mas até é arriscado dizer isto assim", gracejou.


Pela positiva, a proposta do executivo comunitário adota os "princípios políticos" da proposta do Parlamento Europeu (de que Margarida Marques foi redatora), rejeita indicadores como o hiato estrutural, olha para cada país individualmente e em conjunto para a sustentabilidade da dívida e do investimento, enumerou a eurodeputada. Além disso, destacou a ex-secretária de Estado, a nova arquitetura é "largamente inspirada" pelo Mecanismo de Recuperação e Resiliência, o que mostra que é um "modelo que está a fazer o seu caminho junto das instituições europeias e que poderá ter outros voos no futuro".


"A Comissão Europeia propõe uma espécie de PRR orçamental", considerou. Isto porque cada país irá comprometer-se a seguir um plano plurianual orçamental e de investimentos, que tem como objetivo último reduzir a dívida para 60% do PIB enquanto mantém défices orçamentais abaixo dos 3%. 


"Mas ainda faltam detalhes, chamemos-lhes assim", lamentou. Entre os principais destacados por Manuela Marques está o referencial comum para a trajetória da redução da dívida - sobretudo para os países mais endividados para Portugal. "Só isso vai permitir perceber se esta nova arquitetura não é indutora de políticas de austeridade", defendeu a eurodeputada

A opinião destes ex-governantes de António Costa surge duas semanas depois de Bruxelas ter apresentado a sua proposta. O Negócios questinou o Ministério das Finanças sobre o assunto, mas não obteve resposta até ao momento. 

Em entrevista à Reuters esta semana, Fernando Medina apoiou a proposta de Bruxelas, mas alertou para os riscos associados a fazer depender a trajetória da dívida de limites à despesa. "Pode correr-se o risco de aumentar as diferenças entre os Estados-membros - os que tiverem mais margem orçamental ou mais margem na dívida podem investir mais sem estar sujeitos às mesmas regras", disse. 


Economistas pedem mais capacidade orçamental na UE

Além disso, os ex-governantes - e o economista Ricardo Cabral, também presente na conferência - criticaram as propostas da Comissão por serem pouco ambiciosas, pela inexistência de qualquer referência para o reforço da capacidade orçamental da UE. 


Margarida Marques lembrou os instrumentos criados nos últimos anos, como o NextGenerationEU, o MRR, e que nos últimos meses várias instituições internacionais, do BCE ao FMI, têm apelado a uma capacidade orçamental permanente europeia como "chave da resiliência" da UE. 


Margarida Marques admitiu que o tema é muito divisivo dentro da UE, mas defendeu que "voltar às regras atuais é um risco que não se pode correr", pelas assimetrias causadas pelo modelo "one size fits all" previsto. 

(Notícia atualizada às 14:58 com mais informação)

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