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53 juristas e sindicalistas respondem aos patrões: “Não se pode confundir a concertação social com um órgão legislativo”
Enquanto o Presidente da República decide o que faz com os diplomas da chamada agenda do trabalho digno, 53 juristas, investigadores ou dirigentes sindicais respondem em carta aberta às confederações patronais. A missiva assinada por Leal Amado, Teresa Coelho Moreira, António Monteiro Fernandes e Alexandra Leitão, entre outros, também seguiu para Belém.
Cinquenta e três juristas, sindicalistas, membros de comissões de trabalhadores e investigadores, incluindo três deputados do PS, respondem às confederações patronais com uma carta aberta que também já seguiu para Marcelo Rebelo de Sousa. No texto, acusam o Conselho Nacional das Confederações Patronais (CNCP) de tentar "instrumentalizar indevidamente a concertação social para os seus propósitos e colocá-la em confronto com o poder legislativo".
O Presidente da República recebeu o diploma que altera o Código do Trabalho na sexta-feira e tem um prazo de oito dias para decidir se aceita os argumentos das confederações patronais e o envia para o Tribunal Constitucional.
"A oposição das confederações patronais à reforma laboral concentra-se significativamente, e não por acaso, em matérias em que esta reforma das leis laborais representa progressos do ponto de vista da justiça laboral. E tenta para isso instrumentalizar indevidamente a concertação social para os seus propósitos e colocá-la em confronto com o poder legislativo", lê-se na carta assinada por personalidades como João Leal Amado, professor de Direito do Trabalho que defendeu durante anos a anulação das declarações através dos quais os trabalhadores prescindem de créditos salariais, agora consagrada na chamada "agenda do trabalho digno", ou Henrique Sousa, coordenador da associação Práxis.
Embora sublinhem que "não desmerecem, antes valorizam" o papel da concertação social "enquanto instância privilegiada de diálogo social" e "importante órgão de consulta do Governo" nas matérias laborais, os signatários concluem que "o que resulta da tomada de posição pública do Conselho Nacional das Confederações Patronais não é isso".
"A ideia que se pretende fazer passar é outra - e é, cremos, perigosa. A ideia que se veicula é, afinal, a de que o fórum apropriado para elaborar a legislação do trabalho, no nosso país, não seria o Parlamento, mas sim a concertação social", referem.
"Ora, isto é um equívoco. E nem por isto ser constantemente reiterado deixa de ser um equívoco", prosseguem. "A supremacia legislativa do parlamento (…) não pode nem deve ser questionada" e os "grupos de interesse" não têm "qualquer legitimidade para assumir poderes próprios dos órgãos de soberania previstos na Constituição".
"Não se trata, repete-se, de diabolizar a concertação social, cujas virtudes os signatários reconhecem. O que não se pode, sob pena de cairmos em tentações corporativas, é confundir concertação com legislação ou confundir um órgão consultivo sobre políticas públicas e de diálogo social tripartido com um órgão legislativo".
Sublinhando que o processo da agenda do trabalho digno foi "participado", os autores concluem que seria uma "perversão" pensar "que as confederações patronais disporiam de uma espécie de poder de veto" ou que deveriam ser ouvidas "passo a passo" na especialidade, onde foram introduzidas novas alterações que os empregadores contestam. Seria "um engano supor que a discordância das confederações patronais em relação a várias novidades introduzidas por esta reforma da legislação laboral constituiria por si só fundamento de inconstitucionalidade", concluem.
Entre as 53 assinaturas estão a dos juristas Teresa Coelho Moreira, que co-coordenou o Livro Verde Sobre o Futuro do Trabalho que precedeu estas alterações à lei laboral, António Monteiro Fernandes ou Joana Nunes Vicente, da Universidade de Coimbra.
Embora os signatários sejam identificados pela profissão, a carta aberta também é assinada por Alexandra Leitão (jurista, deputada do PS e ex-ministra do anterior governo de António Costa), Sérgio Monte (dirigente da UGT e deputado do PS), Miguel Matos (economista e deputado do PS) ou José Soeiro (sociólogo eleito deputado do Bloco de Esquerda, atualmente com o mandato suspenso).
A carta é ainda assinada por diversos dirigentes de sindicatos da UGT, da CGTP e independentes, por Manuel Carvalho da Silva, por Rogério Nogueira, coordenador da Comissão de Trabalhadores da Autoeuropa, ou por Paulo Pedroso, que foi ministro do Trabalho de António Guterres.
O que defenderam as confederações patronais?
Tal como o Negócios tem vindo a explicar, esta foi a primeira vez em duas décadas que um conjunto alargado de alterações à legislação laboral não partiu de um acordo em concertação social, o que quebrou a tradição que tem sido seguida por PS e PSD.
No dia em que os diplomas da agenda do trabalho digno seguiram para Belém, na sexta-feira, o Conselho Nacional das Confederações Patronais revelou em comunicado que enviou uma carta ao Presidente da República a chamar a atenção para alegadas "inconstitucionalidades" do diploma, em matérias como a limitação do recurso ao ‘outsourcing’, o alargamento da negociação coletiva aos independentes economicamente dependentes ou novo mecanismo de arbitragem que pode travar a caducidade da negociação coletiva.
O conselho que reúne as confederações dos Agricultores (CAP), a do Comércio e Serviços (CCP), Empresarial (CIP), da Construção e do Imobiliário (CPCI) e do Turismo (CTP) sustentou que algumas das recentes alterações "são inconstitucionais nas soluções que contêm e, nalguns casos, por terem sido aprovadas pelo Governo e, mais recentemente, pela Assembleia da República", sem terem sido apreciadas em concertação social.
As confederações patronais já se tinham encontrado com o Presidente da República e com o primeiro-ministro. Num primeiro momento, aparentemente sem sucesso.
Notícia corrigida pelas 20:15 para explicar que são três e não dois os deputados do PS que assinaram a carta