Notícia
Cultura do presentismo digital está a fazer mal à produtividade
Sentirmo-nos obrigados a provar que estamos a trabalhar e a ser produtivos. Muito sumariamente, este parece ser o mais recente fenómeno entre os trabalhadores remotos, em que cerca de 80% dos mesmos continuam a acreditar que trabalham mais e melhor graças à flexibilidade e apenas 12% das suas chefias têm confiança plena que assim é. Mais um capítulo no livro interminável do novo normal (ou anormal, dependendo da perspectiva) do mundo do trabalho.
08 de Outubro de 2022 às 12:00
Raro será o trabalhador que não se recorda, e na altura em que o regime presencial era norma, daquele conjunto de colegas que, mesmo não fazendo grande coisa durante o dia, ficava sempre depois da hora de saída para impressionar as chefias, nem que fosse a procurar uma nova receita para o jantar, a navegar com ou sem destino na Internet ou a divertir-se com um qualquer jogo online.
Como todos bem sabemos, o "teatro da produtividade" funcionava para muitos e eram vários os superiores hierárquicos que davam valor a essas horas extra, acreditando que um bom trabalhador não estaria a olhar para o relógio ansioso pela hora de saída constante no seu horário, mas que, e pelo contrário, se dedicava extremosamente a produzir o mais que podia pelo bem da empresa. Muito se escreveu sobre essa prática perfeitamente normal e aceite na esmagadora maioria das empresas, mesmo que quem a contrariasse tivesse como argumento o facto de que os que precisavam de ficar mais tempo em frente às suas secretárias o faziam ou porque não tinham sido suficientemente produtivos durante o dia ou simplesmente porque queriam "dar graxa" ao chefe, com a devida excepção para o caso em que o excesso de trabalho muitas vezes "exigia" que os próprios trabalhadores o fizessem por brio e responsabilidade.
Ora e com a chegada do teletrabalho e/ou do trabalho híbrido, uma das suas grandes promessas era exactamente a de se colocar um ponto final nesta "arte de parecer muito ocupado", na medida em que a flexibilidade que estas novas formas laborais oferecem permitiriam fazer o trabalho necessário sem existir necessidade de se eleger o "presentismo laboral" como sinónimo de produtividade e com muitos analistas a defenderem que o facto de ser possível interromper o trabalho para se fazer uma caminhada, uma sesta ou ver um documentário de meia hora no YouTube traria grandes benefícios às tarefas laborais diárias.
Independentemente da discussão de que quem goza de um regime exclusivamente online ou híbrido ou faz menos do que devia ou muito mais do que era suposto – outro tema quente dos tempos actuais – a verdade é que começam a aparecer vários estudos que chegam pelo menos a três conclusões: a primeira é a de que os trabalhadores que não estão presencialmente sediados nos seus locais de trabalho (independentemente dos regimes em que se encontram) continuam a considerar-se bastante produtivos, a segunda é a de que as chefias (ou uma parte significativa das mesmas) não têm confiança nessa convicção e, por fim, a de que o tal "teatro" da produtividade" continua a subir ao palco, na medida em que os próprios empregados se sentem na obrigação de "provar" aos seus superiores hierárquicos que estão a trabalhar o que, e paradoxalmente, tem consequências negativas na própria produtividade.
Comecemos pelo relatório publicado recentemente pelas empresas de software Qatalog e Gitlab, intitulado "Killing time at work" que concluiu que os trabalhadores à distância continuam a desperdiçar mais de uma hora de cada dia a "comprovar" a sua produtividade diária. Ou seja, com base em inquéritos realizados a dois mil trabalhadores do conhecimento nos EUA e no Reino Unido, o novo relatório demonstra que os trabalhadores online estão a comportar-se de forma muito similar aos denominados "guerreiros dos cubículos" de tempos passados.
Como escreve o fundador e CEO da Qatalog, Tariq Rauf, as mudanças dramáticas provocadas pela pandemia no local de trabalho deram-nos uma oportunidade única de remodelar para sempre a nossa forma de trabalhar. "Poderíamos ter reestruturado o trabalho para sermos assíncronos, permitindo-nos conciliá-lo com a nossa vida pessoal e familiar, mas falhámos. E, como mostra a nossa pesquisa, estamos a cair de novo em velhos hábitos – que deveriam ter sido postos de lado quando tivemos a oportunidade de o fazer".
Quer isto dizer que, na prática, são muitos os trabalhadores remotos que se juntam às intermináveis e muitas vezes escusadas reuniões do Zoom sabendo que estas não acrescentarão nada de novo, que respondem a emails em horas estrategicamente seleccionadas ou optam por outras formas "ostensivamente online" para convencer os colegas e as chefias de que estão a trabalhar horas extra e arduamente. E, segundo o estudo em causa, este tipo de presentismo digital consome, em média, um total de 67 minutos do quotidiano do trabalhador remoto. Ainda de acordo com os responsáveis do estudo, tal poderá significar provavelmente um trabalho de menor qualidade, apesar de a esmagadora maioria dos inquiridos (81%) acreditar que é mais produtiva e que cria mais qualidade e valor quando tem maior flexibilidade relativamente às alturas em que trabalha.
Por outro lado, e apesar de existirem muitas ferramentas que visam apoiar o trabalho remoto, também elas acabam por ter efeitos nocivos na produtividade e na medida em que tentam replicar, erradamente, as velhas formas de trabalhar. Assim, e em simultâneo, os trabalhadores acabam por se sentir "esmagados" por terem de acompanhar os "plins" constantes de notificações que vão recebendo, em particular os que trabalham em modo assíncrono [a comunicação assíncrona não envolve responder na hora, com o retorno a poder ocorrer depois da emissão da mensagem, de forma a que os envolvidos possam encaixar estas interacções entre outras actividades, estabelecendo as suas prioridades]. Neste caso em particular, a ideia é que a disponibilidade não seja controlada, diminuindo as interrupções, o que contribui para melhorar a produtividade. Mas tendo como estrela a flexibilidade, não constituí surpresa que, no inquérito realizado pela Qatalog e pela Gitlab, surjam os dados que se seguem:
• Os trabalhadores do conhecimento recebem actualmente notificações de seis aplicações, com 73% dos mesmos a darem-lhes resposta fora do seu horário de trabalho – o que dificulta o "desligar";
• 81% dos trabalhadores do conhecimento acreditam que são mais produtivos e criam valor de maior qualidade quando têm mais flexibilidade de horários, com 65% dos que trabalham regularmente de forma assíncrona a afirmar que tal tem um impacto positivo no seu bem-estar;
• 66% dos trabalhadores do conhecimento afirmam que se demitiriam de um emprego se a sua flexibilidade para escolher o seu horário lhes fosse retirada, com 43% a considerarem usufruir de um pacote remuneratório mais baixo se isso lhes conferir maior flexibilidade laboral.
Na medida em que este estudo se foca significativamente nas diferenças entre o trabalho síncrono (os que estão a trabalhar ao mesmo tempo) e o assíncrono (em tempos diferentes), para os responsáveis do estudo [que consideram que este último "modelo" mais produtivo] a principal barreira para o trabalho assíncrono é, exactamente, a cultura do presentismo digital, com 54% dos trabalhadores inquiridos a manifestarem sentir uma enorme pressão para mostrar que estão online em certas horas do dia, em vez de serem encorajados a concentrarem-se nos resultados que querem atingir, independentemente das horas a que o façam. Por outro lado, e porque as organizações e as lideranças continuam, em muitos casos, a ser resistentes à mudança, mais de metade dos trabalhadores (54%) afirmam que os seus colegas estão presos a velhos hábitos e quase dois terços dos inquiridos (63%) acreditam que a gestão e a liderança seniores continuam a preferir uma cultura tradicional assente na presença diária dos empregados no escritório.
Assim e em termos gerais, o estudo demonstrou, tal como já enunciado anteriormente, que os inquiridos estão a passar um tempo extra significativo "a trabalhar", como resultado deste presentismo "obrigatório", e que os 67 minutos diariamente "perdidos" a fim de evitar suspeitas por parte dos colegas e das chefias de que estão a mandriar perfazem cinco horas e meia por semana, o que não é só nefasto para a produtividade como também demonstra uma enorme falta de confiança que persiste em muitas empresas.
Adicionalmente, e para além deste tempo "perdido", 81% dos inquiridos acreditam verdadeiramente que são mais produtivos e criativos quando não lhes é imposto um horário fixo, queixando-se de que esta pressão para demonstrarem que o são é, simplesmente, contraproducente. A verdade é que os empregadores parecem não ter ainda percebido que não podem esperar uma "criatividade a pedido", não só porque não é desta forma que os nossos cérebros funcionam, mas também a juntar ao facto de que dar tempo e espaço aos trabalhadores para criarem os faz mais felizes e, consequentemente, mais produtivos.
Leia o artigo completo aqui
Como todos bem sabemos, o "teatro da produtividade" funcionava para muitos e eram vários os superiores hierárquicos que davam valor a essas horas extra, acreditando que um bom trabalhador não estaria a olhar para o relógio ansioso pela hora de saída constante no seu horário, mas que, e pelo contrário, se dedicava extremosamente a produzir o mais que podia pelo bem da empresa. Muito se escreveu sobre essa prática perfeitamente normal e aceite na esmagadora maioria das empresas, mesmo que quem a contrariasse tivesse como argumento o facto de que os que precisavam de ficar mais tempo em frente às suas secretárias o faziam ou porque não tinham sido suficientemente produtivos durante o dia ou simplesmente porque queriam "dar graxa" ao chefe, com a devida excepção para o caso em que o excesso de trabalho muitas vezes "exigia" que os próprios trabalhadores o fizessem por brio e responsabilidade.
Independentemente da discussão de que quem goza de um regime exclusivamente online ou híbrido ou faz menos do que devia ou muito mais do que era suposto – outro tema quente dos tempos actuais – a verdade é que começam a aparecer vários estudos que chegam pelo menos a três conclusões: a primeira é a de que os trabalhadores que não estão presencialmente sediados nos seus locais de trabalho (independentemente dos regimes em que se encontram) continuam a considerar-se bastante produtivos, a segunda é a de que as chefias (ou uma parte significativa das mesmas) não têm confiança nessa convicção e, por fim, a de que o tal "teatro" da produtividade" continua a subir ao palco, na medida em que os próprios empregados se sentem na obrigação de "provar" aos seus superiores hierárquicos que estão a trabalhar o que, e paradoxalmente, tem consequências negativas na própria produtividade.
Comecemos pelo relatório publicado recentemente pelas empresas de software Qatalog e Gitlab, intitulado "Killing time at work" que concluiu que os trabalhadores à distância continuam a desperdiçar mais de uma hora de cada dia a "comprovar" a sua produtividade diária. Ou seja, com base em inquéritos realizados a dois mil trabalhadores do conhecimento nos EUA e no Reino Unido, o novo relatório demonstra que os trabalhadores online estão a comportar-se de forma muito similar aos denominados "guerreiros dos cubículos" de tempos passados.
Como escreve o fundador e CEO da Qatalog, Tariq Rauf, as mudanças dramáticas provocadas pela pandemia no local de trabalho deram-nos uma oportunidade única de remodelar para sempre a nossa forma de trabalhar. "Poderíamos ter reestruturado o trabalho para sermos assíncronos, permitindo-nos conciliá-lo com a nossa vida pessoal e familiar, mas falhámos. E, como mostra a nossa pesquisa, estamos a cair de novo em velhos hábitos – que deveriam ter sido postos de lado quando tivemos a oportunidade de o fazer".
Quer isto dizer que, na prática, são muitos os trabalhadores remotos que se juntam às intermináveis e muitas vezes escusadas reuniões do Zoom sabendo que estas não acrescentarão nada de novo, que respondem a emails em horas estrategicamente seleccionadas ou optam por outras formas "ostensivamente online" para convencer os colegas e as chefias de que estão a trabalhar horas extra e arduamente. E, segundo o estudo em causa, este tipo de presentismo digital consome, em média, um total de 67 minutos do quotidiano do trabalhador remoto. Ainda de acordo com os responsáveis do estudo, tal poderá significar provavelmente um trabalho de menor qualidade, apesar de a esmagadora maioria dos inquiridos (81%) acreditar que é mais produtiva e que cria mais qualidade e valor quando tem maior flexibilidade relativamente às alturas em que trabalha.
Por outro lado, e apesar de existirem muitas ferramentas que visam apoiar o trabalho remoto, também elas acabam por ter efeitos nocivos na produtividade e na medida em que tentam replicar, erradamente, as velhas formas de trabalhar. Assim, e em simultâneo, os trabalhadores acabam por se sentir "esmagados" por terem de acompanhar os "plins" constantes de notificações que vão recebendo, em particular os que trabalham em modo assíncrono [a comunicação assíncrona não envolve responder na hora, com o retorno a poder ocorrer depois da emissão da mensagem, de forma a que os envolvidos possam encaixar estas interacções entre outras actividades, estabelecendo as suas prioridades]. Neste caso em particular, a ideia é que a disponibilidade não seja controlada, diminuindo as interrupções, o que contribui para melhorar a produtividade. Mas tendo como estrela a flexibilidade, não constituí surpresa que, no inquérito realizado pela Qatalog e pela Gitlab, surjam os dados que se seguem:
• Os trabalhadores do conhecimento recebem actualmente notificações de seis aplicações, com 73% dos mesmos a darem-lhes resposta fora do seu horário de trabalho – o que dificulta o "desligar";
• 81% dos trabalhadores do conhecimento acreditam que são mais produtivos e criam valor de maior qualidade quando têm mais flexibilidade de horários, com 65% dos que trabalham regularmente de forma assíncrona a afirmar que tal tem um impacto positivo no seu bem-estar;
• 66% dos trabalhadores do conhecimento afirmam que se demitiriam de um emprego se a sua flexibilidade para escolher o seu horário lhes fosse retirada, com 43% a considerarem usufruir de um pacote remuneratório mais baixo se isso lhes conferir maior flexibilidade laboral.
Na medida em que este estudo se foca significativamente nas diferenças entre o trabalho síncrono (os que estão a trabalhar ao mesmo tempo) e o assíncrono (em tempos diferentes), para os responsáveis do estudo [que consideram que este último "modelo" mais produtivo] a principal barreira para o trabalho assíncrono é, exactamente, a cultura do presentismo digital, com 54% dos trabalhadores inquiridos a manifestarem sentir uma enorme pressão para mostrar que estão online em certas horas do dia, em vez de serem encorajados a concentrarem-se nos resultados que querem atingir, independentemente das horas a que o façam. Por outro lado, e porque as organizações e as lideranças continuam, em muitos casos, a ser resistentes à mudança, mais de metade dos trabalhadores (54%) afirmam que os seus colegas estão presos a velhos hábitos e quase dois terços dos inquiridos (63%) acreditam que a gestão e a liderança seniores continuam a preferir uma cultura tradicional assente na presença diária dos empregados no escritório.
Assim e em termos gerais, o estudo demonstrou, tal como já enunciado anteriormente, que os inquiridos estão a passar um tempo extra significativo "a trabalhar", como resultado deste presentismo "obrigatório", e que os 67 minutos diariamente "perdidos" a fim de evitar suspeitas por parte dos colegas e das chefias de que estão a mandriar perfazem cinco horas e meia por semana, o que não é só nefasto para a produtividade como também demonstra uma enorme falta de confiança que persiste em muitas empresas.
Adicionalmente, e para além deste tempo "perdido", 81% dos inquiridos acreditam verdadeiramente que são mais produtivos e criativos quando não lhes é imposto um horário fixo, queixando-se de que esta pressão para demonstrarem que o são é, simplesmente, contraproducente. A verdade é que os empregadores parecem não ter ainda percebido que não podem esperar uma "criatividade a pedido", não só porque não é desta forma que os nossos cérebros funcionam, mas também a juntar ao facto de que dar tempo e espaço aos trabalhadores para criarem os faz mais felizes e, consequentemente, mais produtivos.
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