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Um alerta para o mundo: divórcios na China disparam após a quarentena

Em várias cidades, as separações dispararam em março, numa altura em que maridos e mulheres começaram a libertar-se após semanas de isolamento decretadas pelo Governo

Thomas Peter/Reuters
04 de Abril de 2020 às 21:00
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Enquanto o coronavírus se espalhava na China, a senhora Wu, uma dona de casa nos seus 30 anos de idade e residente na província de Guangdong, esteve quase dois meses em isolamento com o marido, que não esteve a trabalhar durante esse tempo.

Discutiram constantemente. Wu, que recusou dar o nome completo para proteger a sua privacidade, foi passando em revista – e verificando - vários itens de uma lista de fatores que são conhecidos por trazer nervosismo ao casamento, como o dinheiro (demasiado pouco), tempo agarrado aos ecrãs (demasiado) e trabalhos domésticos e atenção às crianças (que não foram sequer divididos).

Um dos maiores pontos de discórdia surgiu do hábito do marido em criar jogos com as crianças na hora de deitar. "Ele era o desestabilizador na casa", diz a senhora Wu. "Não quero continuar. Concordámos em avançar para o divórcio, o próximo passo é encontrar advogados".

Apesar de a China publicar as estatísticas relativamente aos divórcios apenas uma vez por ano, artigos dos media dão conta que, em várias cidades, as separações dispararam em março, numa altura em que maridos e mulheres começaram a libertar-se após semanas de isolamento decretadas pelo Governo e que pretendiam parar a proliferação da pandemia. Esta tendência pode servir de alarmes aos casais nos Estados Unidos, Europa e no resto do mundo, que se encontram no período inicial do isolamento em casa.

As cidades de Xian, no centro da China, e de Dazhou, na província de Sichuan, reportaram números recorde de pedidos de divórcio no início de março. Em Miluo, na província de Hunan, "os funcionários nem tinham tempo para beber água" dadas as compridas filas, de acordo com um relatório publicado em meados de março no site do poder local.

O advogado especializado em divórcios Steve Li, que trabalha na Gentle&Trust em Xangai, diz que o número de casos que recebeu aumentou 25% desde que a cidade aliviou em período de isolamento, a meados de março. A infidelidade costumava ser o principal motivo para os clientes baterem à porta deste escritório, conta o advogado, acrescentando que "as pessoas têm tempo para casos extraconjugais quando não estão em casa".

O feriado do Ano Lunar, o equivalente na China ao dia de Natal no Ocidente, coincidiu com o ataque do vírus, pelo que os casais em muitas cidades tiveram de se sujeitar a mais dois meses debaixo do mesmo tecto, às vezes com mais família. Para muitos, foi demais. "Quanto mais tempo passavam juntos, mais se detestavam", afirma Li, relativamente aos seus novos casos. As pessoas precisam de espaço. Não é apenas o caso dos casais, isto aplica-se a toda a gente".

A taxa de divórcio na China tem subido desde 2003, quando houve uma liberalização das leis. Mais de 1,3 milhões de casais divorciaram-se nesse mesmo ano, e os números aumentaram gradualmente durante 15 anos, atingindo um pico de 4,5 milhões em 2018, apontam as estatísticas do ministérios dos Assuntos Civis. Em 2019, foram 4,15 milhões a desatar o nó.

Apelos à natalidade também se espalham

As autoridades chinesas esperavam que manter os casais reunidos levasse a um disparar na natalidade (baby boom), uma ajuda para contrariar as taxas de natalidade que caíram para um mínimo recorde desde o surgimento da República Popular da China, em 1949. Isto, apesar de a medida de apenas uma criança por família ter cessado e de terem sido lançadas várias campanhas para motivar as mulheres a casar e a ter filhos.

Mais do que um município afixou cartazes apelando a que os casais apoiassem a nação "ocupando-se" nos respetivos quartos.  "Enquanto estão em casa por causa do surto, a lei da segunda-criança foi aliviada, portanto criar uma segunda criança é também contribuir para o o seu país", lia-se num cartaz da autoria do gabinete de Planeamento Familiar da cidade de Luoyang, na província de Henan. O fruto destes esforços não vai ser, naturalmente, quantificável antes de passados sete a oito meses.

Violência doméstica chega a triplicar

Os registos de violência doméstica também se multiplicaram. Uma região próxima da província de Hubei, onde se localiza a cidade onde surgiu o surto, Wuhan, regista 162 queixas de violência doméstica feitas durante o mês de fevereiro à polícia – três vezes mais do que aquelas publicadas no mesmo mês em 2019.

A co-fundadora da Equality, uma organização não-governamental localizada em Pequim, explica que violência que estava latente encontrou espaço durante a quarentena para emergir. Com a polícia focada em manter a ordem durante a quarentena, por vezes não conseguia responder às queixas que chegavam destas vítimas, as quais estavam impedidas de sair. Os tribunais que emitem as ordens de proteção estiveram também fechados durante este período.

Danos psicológicos prolongam-se

Mesmo quando a epidemia retroceder e a vida puder regressar à relativa normalidade, os danos económicos e psicológicos devem perdurar durante meses. Um estudo que se debruçou sobre os cidadãos de Hong Kong após a epidemia de SARS, em 2002-2003, concluiu que "um ano após o surto, os sobreviventes da SARS ainda apresentavam elevados níveis de stress e níveis preocupantes de angústia psicológica", como depressão e ansiedade.

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