Notícias sobre protestos de trabalhadores a exigirem aumentos salariais e empresas que decidiram atribuir bónus extraordinários aos seus colaboradores têm-se tornado frequentes nos últimos meses. A economia enfrenta um cenário desafiante, com taxas de emprego altas, mas níveis de inflação também elevados. O resultado é a chamada "wageflation".
Exige-se, então, o aumento dos salários perante a subida dos preços. Que implicações tem isto para as empresas, para os trabalhadores e para o mercado de trabalho em geral? Para responder a esta questão, importa analisar cuidadosamente os dois pratos da balança.
Rui Rocheta
Regional Head Iberia e Latam da Gi Group Holding
A realidade da inflação
O aumento de preços já registava ritmos acelerados durante o ano de 2021, uma tendência que se agravou no início de 2022. Como causas da inflação, foram apontados os constrangimentos nas cadeias de abastecimento, devido às restrições impostas na sequência da pandemia de covid-19. Além disso, os pacotes de estímulo e as políticas de flexibilidade monetária dos bancos centrais, que visavam apoiar a economia, contribuíram para a inflação, tendo impacto no aumento dos salários. Tudo se agravou com o princípio da guerra na Ucrânia, no início de 2022, juntando-se a este cenário uma crise energética global.
O contexto no mercado de trabalho
Perante a crise económica provocada pela pandemia, o mercado registou uma forte destruição de postos de trabalho. Para suportar empregos e salários, os países (sobretudo os mais ricos) disponibilizaram um elevado montante de fundos públicos, ajudando, assim, as empresas diretamente afetadas.
Graças a estes apoios e ao retomar da atividade económica ao longo de 2021, no final desse ano, o emprego conseguiu regressar aos níveis pré-crise ou mesmo, em alguns casos, superar esses valores — sobretudo nas economias mais ricas.
Entretanto, o que aconteceu aos salários? Durante a pandemia, foram inegáveis as perdas significativas de salário e, consequentemente, de poder de compra de muitos trabalhadores.
Todavia, também neste caso, no final de 2021, registou-se uma recuperação, com o aumento dos salários a alcançar níveis muito próximos do período pré-pandemia.
O peso da inflação no mercado de trabalho
Esta tendência manteve-se, em 2022, com os salários nominais em crescimento. Contudo, a inflação não deu tréguas. Quais foram as consequências deste facto? A OIT explica-as no seu relatório Global Wage Report 2022-23 – The impact of COVID-19 and inflation on wages and purchasing power: "Isto tem implicações alarmantes nos salários, uma vez que o aumento da inflação conduz, provavelmente, à erosão dos seus valores reais, exceto se os salários nominais acompanharem as subidas dos preços", lê-se.
O cenário de "wageflation"
Os protestos e as exigências dos trabalhadores não tardaram a chegar e o resultado tornou-se visível nas notícias: empresas como a Volkswagen ou a EasyJet chegaram a acordo para um aumento dos salários na ordem de 8,5% e 7,5%, respetivamente. Decidiram ainda pagar bónus aos trabalhadores, no valor de 3 mil euros, como revela uma notícia da Reuters.
Em Portugal, a resposta não foi diferente. Desde logo, o Governo aprovou um aumento do salário mínimo nacional de 705 para 760 euros, "o maior aumento, em termos absolutos, de sempre", segundo a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho. Além disso, providenciou um apoio extraordinário de 240 euros para cerca de um milhão de famílias.
Teremos, então, entrado numa espiral de aumento dos salários? O FMI afirma, no seu World Economic Outlook, que, para já, a espiral parece contida. Para essa contenção colaboram três fatores: "Os choques subjacentes à inflação são externos ao mercado de trabalho, a queda dos salários reais ajuda a reduzir as pressões sobre os preços e os bancos centrais estão a promover um aperto radical da política monetária."
O futuro ainda é incerto. Mas, por enquanto, a "wageflation" parece um desafio com o qual as empresas terão de lidar. Está nas suas mãos a tarefa, nem sempre fácil, de alcançar um equilíbrio.
Este conteúdo foi produzido integralmente por Rui Rocheta, da Gi Group Holding