A pandemia forçou a adoção do trabalho remoto como meio eficaz de desacelerar o contágio enquanto se amplificava o efeito da vacinação. Para funções que operam em canais digitais, ocorreu uma mudança radical de hábitos. As práticas convencionais de gestão de equipa tiveram de se adaptar sem perder o ritmo. De um dia para o outro, passámos do contacto direto para um contacto digital constante. Será a adoção massiva do trabalho híbrido motivo para preocupação?
Paulo Alvarez
Managing partner da PahlConsulting
Os primeiros meses de 2020 foram muito desafiantes. Às empresas de TI e de consultoria (as realidades que melhor conheço) exigiram-se adaptações rápidas nos métodos de trabalho. Apesar de, para muitas delas, o trabalho híbrido ser uma prática consolidada para funções específicas, a passagem da totalidade das equipas para este modo exigiu reforço de infraestruturas que sustentam canais digitais, adoção de mecanismos de segurança para funções até então ainda desempenhadas in situ, e alterações contratuais de modelos de serviço desajustados. Mas, acima de tudo, alterou-se o relacionamento entre pessoas. E dos modos reajustados, a gestão das equipas em geral e o controlo da produtividade em particular criaram questões de difícil resposta.
As pessoas e as organizações mostraram capacidade de adaptação, passando para o "novo normal" com rapidez. Tendo conduzido vários processos complexos de passagem de equipas para o modo híbrido, assisti à convergência de esforços dos decisores, na maioria das situações com prioridades bem definidas, visando a segurança dos colaboradores e a manutenção das operações.
Nesta fase, o medo da doença foi o catalisador que venceu os hábitos enraizados da gestão por proximidade. A maioria dos gestores com quem trabalhei encarou o inevitável e repensou a gestão da equipa, identificando obstáculos, medindo o desempenho e ajustando a forma de trabalhar. Tornaram-se evidentes aspetos prejudiciais. As ligações entre os colaboradores e entre estes e a empresa fragilizam-se. O bem-estar individual corre riscos, a rotação aumenta.
Participei em muitas discussões em que se esgrimiram de forma objetiva argumentos sobre as virtudes do trabalho híbrido, as dificuldades de comunicação, o impacto da proximidade no trabalho criativo, comercial e negocial, a sobrecarga sobre as famílias que viram as casas transformadas pela dicotomia escritório diurno/casa noturna. Um tópico gerou discussões: a incerteza sobre o que as pessoas "estão verdadeiramente a fazer" em modo remoto. Muito assente em perceções e pouco em dados objetivos.
Hoje, após o controlo da pandemia e o regresso a um funcionamento normal da sociedade, alguns gestores pugnam pelo retorno ao trabalho presencial. Tendência acentuada por movimentos de igual sentido defendidos por corporações de dimensão global.
Porque sentimos esta necessidade quando as gerações jovens que entram no mercado laboral estão mais preocupadas com a sua qualidade de vida?
Os profissionais jovens (mas não exclusivamente estes) desejam o equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional, procurando satisfação em ambas, sem sacrificar uma em prol da outra. Para estas pessoas, o trabalho híbrido é cada vez mais uma condição sine qua non.
Porque não procuramos novas soluções para as desvantagens, em vez de retrocedermos para métodos datados e mesmo anacrónicos?
Uma vez mais, o medo funciona como catalisador. Agora, o medo do "escritório vazio". A vontade de voltar ao "antigo normal" alimenta-se de uma falsa perceção: um escritório cheio de gente das 8:00 às 20:00 é uma máquina altamente produtiva. O que não é verdade por si só. Soprando nas brasas deste medo, surge ideia de que quem está "em casa" poderá não estar a trabalhar.
Para ultrapassar este receio, há que assumir que o trabalho não é "um local onde se vai", mas algo "que se faz" com um determinado propósito e prazo. Há que estabelecer objetivos claros, responsabilizar cada elemento, estabelecer datas. E monitorizar os resultados. Para boa parte das funções que coordeno, importa acima de tudo que se cumpra dentro do prazo uma entrega predeterminada com a qualidade esperada. No fundo, cumprir com os objetivos e as expectativas acordadas.
Para que os objetivos sejam atingidos, há que colocá-los com clareza, garantir os recursos necessários, estabelecer uma comunicação eficaz, manter o foco, detetar falhas e apoiar a equipa. E tudo isto pode ocorrer sem presença permanente no mesmo espaço físico.
Há que apostar na comunicação e na correta assignação de tarefas, assente num contato sistemático e planeado que mantenha o foco, com reuniões estruturadas. É importante manter o nível de contacto presencial de acordo com a natureza de cada função. Uma equipa de desenvolvimento de software necessita de menos contacto presencial do que uma equipa comercial ou de arquitetura de soluções.
Uma perda real é o desaparecimento da "pausa para café" e do almoço entre colegas para saber dos planos para o próximo fim de semana. Perde-se a comunicação espontânea, casual, que permite estreitar laços, descontrair e conhecer melhor o espaço humano onde nos inserimos. Os encontros fora do escritório (e já agora, fora de casa) onde "o trabalho não entra" são um bom suplemento que ajuda a colmatar este deficit relacional.
A organização de sessões semanais de trabalho no escritório com toda a equipa e para temas relevantes aumenta a eficiência, mantendo o contacto presencial e dando-lhe mais conteúdo e propósito.
É fundamental responsabilizar todos os elementos e criar mecanismos que reforcem o trabalho em equipa e a interajuda em modo remoto. Com mecanismos de avaliação de desempenho de cada elemento e da equipa como um todo. O seguimento rigoroso do avanço do trabalho, com etapas bem definidas, atrasos justificados e tomada de ações corretivas, combate a ansiedade provocada pelo efeito do "escritório vazio". Se a gestão estabelecer objetivos e prazos claros, mantiver a autoridade e o tom de gestão num nível que incentive a equipa, e monitorize o desempenho da equipa, pouco importa "o que se faz quando não se está no escritório".
Por último, é imprescindível estabelecer relações de confiança.
A confiança é a cola que une a equipa em torno de um propósito. É o que permite aceitar a interpelação por um prazo ultrapassado, de forma construtiva, pedir ajuda a um colega para ultrapassar um bloqueio, assumir um erro ou discutir uma crítica de forma positiva. A produtividade da equipa assenta mais na qualidade da gestão do que na presença física.
O que todos pretendemos é atingir resultados, ter operações de sucesso, produtivas e rentáveis, satisfazendo todas as partes interessadas, num ambiente exigente mas saudável. Há que ter coragem para criar novos hábitos e perder o medo irracional do escritório vazio. De outra forma, corremos o risco de não ter colaboradores, nem no escritório nem em casa.
Este conteúdo foi produzido integralmente por Paulo Alvarez, Managing partner da PahlConsulting