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[426.] O "Manual da Marca" EDP

Os tribunais obrigaram a EDP a abandonar o símbolo com um sorriso, por imitar o da serralharia O Feliz, de Braga, num processo de David contra Golias que se arrastava desde 2005.

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Os tribunais obrigaram a EDP a abandonar o símbolo com um sorriso, por imitar o da serralharia O Feliz, de Braga, num processo de David contra Golias que se arrastava desde 2005. A eléctrica vingou-se agora com portefólio simbólico tão variado que na pasta dos ícones encontramos nada menos de 107 bonequinhos para os publicitários e marketeers poderem brincar aos anúncios ( Não digo 108 porque encontrei um repetido, uma mão esquerda).

O Manual da "Marca EDP" chama-lhes "biblioteca de representações iconográficas". Inclui de tudo: um aviãozinho, uma casinha, uma flor, uma pegada, talheres e até animais, como o Manual gostosamente acrescenta. É verdade, há muitos animais entre os ícones: uma borboleta, um caracol, um golfinho, peixinhos, uma tartaruga, um patinho e até um macaquinho. Tudo associado à EDP!

O Manual é tão explicativo nas suas 40 páginas que os anúncios aparecem como acréscimo à sua ciência (disponível em http://www.edp.pt/pt/aedp/sobreaedp/marcaEDP/campanha/ManualMarcaEDP_22jul2011_v2.pdf).
Tive pena de não encontrar uma explicação para a infantilização da comunicação da EDP, verificável nos novos anúncios da empresa, que a concretizam sem hesitação. Vejamos um reclame de jornal que recorre a várias "representações iconográficas" do "novo universo visual" para reapresentar a empresa aos portugueses, não fossem eles esquecer-se da conta ao fim do mês.

"Olá!", começa o anúncio, como se falasse para miúdos. "Somos a EDP e mais de 60% da energia que produzimos vem daquilo que é nosso". Nosso, de quem? O texto não especifica; poderiam ser os accionistas da empresa, mas não, apesar do custo da energia ficamos a saber que ela é feita com o que é nosso, o vento e a água. Estas fontes energéticas aparecem representadas pelos bonequinhos, como nos passatempos que eu via nas revistas de banda desenhada dos anos 50, tipo "Cavaleiro Andante", em que certas palavras apareciam substituídas por ícones simplificados para se descobrir o ditado popular escrito em código. Descodificado, o texto deste anúncio é vulgar: "Podemos ver o futuro porque o estamos a construir." A seguir vem uma frase que não percebo bem: "Vamos fazê-lo" - a que se segue um boneco com cinco pessoas. Deve querer dizer: "Vamos fazê-lo juntos." O texto termina: "Viva a nossa energia", sem ponto de exclamação. A palavra "nossa" deve referir-se ao colectivo dos portugueses e não à energia dela, da EDP. A infantilização visa tornar "nosso", dos portugueses, o que a EDP lhes vende.

O principal objectivo do anúncio não é explicar o que a empresa faz, daí a banalidade do texto, mas antes apresentar a nova imagem da EDP. Estamos perante um universo comunicacional global e totalizante, que inclui o logótipo e suas variantes, a que o Manual chama "logomarcas", os elementos geométricos de base, a cor vermelha e toda a paleta secundária de cores, o tipo de letra - inventado para servir apenas a EDP -, a sombra a usar debaixo dos logótipos, os 107 ícones, o tom da comunicação, etc.

Aproveitando a decisão do tribunal, a campanha pretende alterar a percepção visual, sonora e emocional que os portugueses fazem da empresa. Como acha que não interessa apenas o que a marca defende "mas também como representa o que defende", a EDP reformulou-se toda por fora, na imagem, mantendo idêntico tudo o resto - a sua essência como empresa. Tendo ela um monopólio virtual da venda de energia à esmagadora maioria dos portugueses, a mudança - limitada à imagem da empresa, a fazer lembrar a estratégia comunicacional do anterior governo -, poderá surtir menos efeito do que aquele a que as 40 páginas do Manual aspiram. Comunicar só porque sim, sem mais mudanças que os consumidores sintam, justificará o investimento global nesta campanha?


ect@netcabo.pt

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