Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
Luís Marques Mendes 10 de Dezembro de 2017 às 21:17

Centeno no Eurogrupo com consequências no Governo, oposição e geringonça

As notas da semana de Marques Mendes nos seus comentários na SIC. As implicações políticas de Centeno no Eurogrupo, a agressividade do Bloco em relação ao Governo por causa da taxa das renováveis e a decisão de Trump sobre Jerusalém.

O efeito Centeno

A eleição de Mário Centeno para Presidente do Eurogrupo tem consequências políticas. No Governo; na oposição; e nos parceiros do Governo.

1. Consequências no Governo – Esta decisão reforça politicamente o Ministro das Finanças e reforça o Governo.
• Mário Centeno fica com um peso brutal dentro do Governo. Uma parte dos Ministros não gosta. Mas o país só pode agradecer. É uma garantia em matéria de disciplina financeira e orçamental.
• Depois, há também um reforço do governo. Esta decisão é um aval da Europa à política do Governo. Um aval que é dado à componente mais vulnerável da acção governativa – a política financeira e orçamental.

2. Consequências na oposição – Esta eleição para a presidência do Eurogrupo complica ainda mais a vida do PSD e do CDS.
• Qual é o problema? O PSD e o CDS têm cada vez mais dificuldade em ter um discurso diferenciador do discurso do governo. Discurso social – é difícil ter quando o desemprego baixa e o Governo devolve rendimentos às pessoas; discurso económico – é difícil ter quando a economia cresce, ainda que pudesse crescer bastante mais; discurso financeiro e orçamental – é difícil ter quando o défice baixa e ainda por cima o Ministro das Finanças é promovido a Presidente do Eurogrupo.
• O que significa, desde logo, duas coisas: primeiro, que o próximo líder do PSD não vai ter vida fácil; segundo, que, se o novo líder persistir em fazer uma oposição semelhante à que o PSD tem feito até agora, estará politicamente condenado.

3. Consequências na geringonça – Também no PCP e no BE haverá consequências. No curto e no médio prazo.
• No curto prazo: esta decisão reforça o distanciamento do PCP e do BE em relação ao Governo. Causa um incómodo maior na coligação.
• No médio prazo: esta decisão vai tornar ainda mais difícil a ideia de repetir a geringonça depois de 2019. O que significa que, se António Costa ganhar as eleições e se as ganhar sem maioria absoluta, de duas uma: ou temos um governo de Bloco Central (PS/PSD) ou teremos, muito provavelmente, uma situação instável, precária e pantanosa. Na prática, um pântano político como sucedeu com o 2º governo de António Guterres há 20 anos.


Portugueses em altos cargos

1. A eleição de Mário Centeno é uma eleição altamente prestigiante para Portugal. É a última de uma série de escolhas de portugueses para altos cargos internacionais. E já foram muitas nos últimos 25 anos.

2. Vejamos os exemplos principais:
• Embaixador José Cutileiro
Presidente da UEO (1994/1999)

• Diogo Freitas do Amaral
Presidente A. G. ONU (1995/1996)

• Embaixador António Monteiro
Presidente do Conselho de Segurança da ONU (1997/1998)

• Durão Barroso
Presidente da Comissão Europeia (2004/2014)

• António Guterres
Alto Comissário da ONU para os Refugiados (2005/2015)

• Jorge Sampaio
Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações (2007/2013)

• Vítor Constâncio
Vice-Presidente do BCE (desde 2010)

• António Guterres
Secretário Geral da ONU (desde 2017)

• Mário Centeno
Presidente do Eurogrupo (a partir de 2018)

3. E num patamar já inferior temos ainda outros exemplos:
Jorge Moreira da Silva e Álvaro Santos Pereira na OCDE;
Miguel Serpa Soares, Secretário Geral Adjunto da ONU para os assuntos jurídicos;
Vítor Gaspar no FMI.

4. Por que é que isto sucede? 4 razões essenciais:
a) Primeiro: pela qualidade, pelo mérito e pelo prestígio dos protagonistas;
b) Segundo: por sermos um país pequeno. Ser um país pequeno é, nestes momentos, uma vantagem. Dá-nos uma especial capacidade de diálogo entre os maiores da cena internacional.
c) Terceiro: pela nossa história e cultura universalista. O que nos dá uma capacidade invulgar de fazer pontes, de construir entendimentos, de promover diálogos, de gerar compromissos.
d) Finalmente, pela competência da nossa diplomacia. Sempre tivemos uma diplomacia altamente competente. Foi assim no passado e é assim no presente. A nossa máquina diplomática é fabulosa.

5. Em conclusão: em termos de personalidades colocadas em altos cargos internacionais, Portugal tem um peso que é proporcionalmente muito superior ao seu território ou à sua população. O que mostra que, sendo um país pequeno, não somos um país irrelevante.


Costa no Parlamento

Este foi um debate que teve aspectos surpreendentes.
1. Primeira surpresa: pela primeira vez, o PM criticou e desautorizou em público um Ministro. Isto é raríssimo. No caso vertente, o Ministro da Saúde, a respeito do Infarmed, acusando-o de ter comunicado mal a decisão de transferência do Infarmed.
• Isto não só é inédito, como é deselegante e dá a sensação de que é o PM a sacudir a água do capote.
• É que, ao contrário do que diz o PM, a falha neste processo não é uma falha de comunicação. É uma falha política. Uma falha na decisão política. E quem é que toma uma decisão destas? É o Primeiro-Ministro, que obviamente sabia de tudo.

2. Segunda surpresa: as trocas de acusações entre o PM e a líder do CDS, Assunção Cristas, a ponto de António Costa dizer que não haverá consensos com o CDS. De onde vem a surpresa? Do facto de há um ano o PM ter dito exactamente o contrário. Há um ano privilegiava o CDS, em detrimento do PSD. O CDS era oposição construtiva, o PSD é que não.
• Agora, o charme é para o futuro líder do PSD. Como se dizia no futebol, o que hoje é verdade amanhã é mentira.

3. A última surpresa: Angola. Há um problema, em matéria de justiça, nas relações Portugal/Angola. O PM pediu um parecer ao CC da PGR. Não o divulgou nem o homologou. Não disse uma palavra a ninguém. E ninguém, da esquerda à direita, lhe faz uma pergunta sobre a matéria? Não se aperceberam? Estão todos distraídos? Ou simplesmente acham que o que é importante não é para tratar na Assembleia da República?


A agressividade do BE

1. No debate parlamentar já se notou uma grande agressividade do BE em relação ao Governo. Mas essa agressividade atingiu um ponto nunca visto na entrevista de Catarina Martins ao Expresso.

2. Esta é a grande novidade desta entrevista: a líder do BE foi duríssima com o PS, acusando-o de ser "permeável aos grandes interesses económicos". Estava a falar de decisões na Saúde e na Energia. Nunca se viu uma agressividade tão grande quanto esta. O que levanta duas questões:
a) Primeiro: será que uma coligação pode funcionar de forma saudável e coesa com este tipo de acusações? Não é fácil.
b) Segundo: e o PS fica calado? Não reage? Deixa correr o marfim? Isto só pode gerar mal-estar no PS, como se viu através de declarações de Manuel Alegre e Francisco Assis.

3. Posto isto, não haja ilusões! Esta é uma agressividade meramente retórica. Uma agressividade sem consequências. É que na esma entrevista Catarina Martins é categórica: quer cumprir a legislatura. Quer manter a coligação até 2019. Não quer fazer qualquer tipo de ruptura. O que mostra o quê? Que o BE é cada vez mais um partido de poder e menos um partido de protesto.

4. Nota final: a polémica em torno da taxa sobre as energias renováveis levou um deputado do PS (Ascenso Simões) a votar de forma diferente do partido e a correr o risco de um processo disciplinar.
• Concorde-se ou não politicamente com a sua posição, ele não deve ser disciplinarmente censurado: ao votar de modo diferente, face à cambalhota do seu partido, o deputado em causa recusou-se a ser uma marioneta, um figurante e um pau mandado. E quem age assim merece respeito e não censura.


Trump incendiário

1. A decisão do Presidente Trump de transferir para Jerusalém a embaixada dos EUA é grave em dois planos: no plano das consequências que gera; e no plano das razões que o levaram a tomar esta decisão.
a) Plano das consequências (o mais visível)
• É o regresso em força da violência, da tensão e da instabilidade ao Médio Oriente.
• É o fim imediato da mediação norte-americana. De repente, os EUA resolveram passar de árbitro a jogador.
• É a criação de um novo clima de insegurança no quadro internacional, designadamente na Europa e no Atlântico Norte.
• É o isolamento dos EUA. Nunca provavelmente uma decisão americana gerou um isolamento internacional tão acentuado.

b) Plano das razões – Porquê esta decisão?
• Primeiro, pela preocupação de desviar as atenções dos problemas internos que o Presidente Trump está a ter com as investigações sobre a eventual intervenção da Rússia nas eleições americanas.
• Segundo, pela preocupação com a sua popularidade. Trump tem vindo a perder popularidade. Está hoje nos 30%a 35%. Ele sabe que esta decisão é popular no campo republicano. E também sabe que a sua popularidade não é só importante para disputar eleições. É também decisiva para evitar um futuro processo de impeachment.

2. Em conclusão:
• Para Trump, Jerusalém não é uma questão de convicção. É uma questão instrumental. Trump incendeia uma região nevrálgica do mundo apenas e só por uma razão de egoísmo pessoal e de sobrevivência política.
• Mais do que a estabilidade mundial ou o interesse vital americano, o que o motiva é a sua agenda pessoal e política. A irresponsabilidade tomou conta da Casa Branca.

Ver comentários
Saber mais Marques Mendes notas da semana
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio