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Da impossibilidade de reverter casamentos

Registaram-se 250 pedidos de nulidade em 2017, a que a Igreja procura responder com mais celeridade. Mas tenho para mim que não há casamentos nulos, e que todos perdem quando tentam por o conta quilómetros a zeros.

O aumento de pedidos de declaração de nulidade de casamentos em Portugal fizeram manchetes na semana passada. Embora muitas das notícias continuam a falar em "anulação", por muito que os especialistas repitam à exaustão que se trata de "nulidade" já que nenhuma autoridade pode anular o sacramento do matrimónio, coisa entre Deus e os diretamente implicados.  

 

Explicava-se este crescimento como resultado das novas medidas destinadas a tornar menos complicados estes processos, e houve logo quem viesse dizer que o Papa Francisco inaugurava uma era de facilitismo, quando é bem mais provável que seja a sua bondade e acolhimento a incitar a vontade de regresso  "à casa do Pai". Seja com for, os números indicam que  2017 fechou com 250 pedidos, mais 50 do que no ano anterior, embora apenas dez  reunissem as condições necessárias a um processo breve.

 

Se fico contente pelas pessoas que encontram paz numa declaração de que afinal não foram casadas, mantenho que é pena que o caminho se faça por aí. É que tenho para mim que não há casamentos nulos, diga o que disser o direito. Sabe a ciência, sabe a psicologia e sabe o bom senso que não podemos pôr o conta-quilómetros a zero, varrendo da cabeça e do coração aqueles que foram importantes para nós, por boas ou más razões, como se nunca tivessem existido. Aceitar que os casamentos por vezes chegam ao fim, num processo sempre de um enorme sofrimento, mas desejavelmente sem danos irreparáveis, parece-me mil vezes preferível a estimular que o reneguem. Porque não há nada mais triste do que duas pessoas que casaram por amor (por muito que hoje possam negá-lo), tendo-se tornado ou não pais, virem um dia alegar que o que aconteceu entre elas não foi... nada. Além do mais, de uma penada, decretando que os filhos não são resultado de uma relação sagrada, essa certeza estruturante e preciosa para qualquer criança.

 

Suspeito de que ganhávamos muito mais se, dentro e fora da Igreja, se educasse para a capacidade de enfrentar ruturas com respeito e dignidade, sem rendições fáceis ao papel de vítima, que é tantas vezes a forma como consciente ou inconscientemente se procura apoio e aceitação social, numa sociedade que parece precisar sempre de dividir as pessoas em boas e más.

 

A Igreja resolverá certamente da melhor maneira o quebra-cabeças que tudo isto representa, tantas vezes com guerras internas e rivalidades que fazem o divórcio mais litigioso parecer coisa de crianças. Por vontade sua e ao seu ritmo, até porque quem casou no altar conhecia bem as regras do jogo e não pode, com seriedade, queixar-se de nada. Mas, de preferência, sem estes atalhos.

 

Jornalista

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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