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Impostos indiretos: aumentar a receita com anestesia fiscal 

Os resultados parecem indicar que o contribuinte se vê sempre a pagar impostos escondidos, pois, em todos os 23 cenários, verificámos que foi indicado um valor para o "outro" imposto (além do IVA) mesmo quando este não existe…

Assistimos a uma comoção generalizada face ao aumento do preço dos combustíveis em Portugal, que só agora começa a ceder. Este preço é afetado pelo imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP), um dos impostos ditos indiretos, isto é: o seu valor está incluído no valor final do produto. 

 

Os contribuintes não percebem que os estão a pagar pelo seu efeito de anestesia fiscal - em especial quando comparados com os impostos sobre o rendimento ou sobre o património, ou até mesmo com o IVA, que é de fácil perceção (23%). Acresce que os códigos reguladores destes impostos são complexos e que as suas tabelas de aplicação normalmente são revistas em sede de Orçamento do Estado.

 

Perante esta realidade, o PolLab e o Observatório Comércio Tradicional da Coimbra Business School estão a conduzir um estudo sobre a perceção dos contribuintes em relação aos impostos indiretos, em especial os seguintes: imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP), imposto sobre o consumo de tabaco (IT), imposto sobre o consumo de bebidas alcoólicas (IABA), imposto sobre as bebidas não alcoólicas açucaradas (IBA), imposto único de circulação (IUC), imposto de selo (IS) e imposto sobre veículos (ISV). Note-se que não pretendemos analisar as vantagens ou desvantagens destes impostos, tais como a ausência de progressividade ou benefício na saúde pública. Pretendemos, tão-somente, aferir da consciência fiscal dos contribuintes e, em especial, do seu valor sobre o bem ou serviço no momento da compra ou do consumo.

 

Assim elaborámos um questionário, contendo 23 cenários do quotidiano dos portugueses: comprar carro, pagar um táxi ou um Uber, comprar bilhete de avião, celebrar um contrato, entre outros. E perguntámos se tinham noção de quais os impostos presentes naquele bem ou serviço, bem como o valor da sua taxa. Os resultados preliminares indicam que os impostos mais percetíveis pelos portugueses são o IVA e o IRS.

 

No caso dos impostos sobre o consumo, 53% percecionam que pagam entre 20% e 30% de impostos na compra de um bem ou serviço, mas, se for pedido para desconsiderar o IVA, 42% dos contribuintes afirmam não saber se há mais impostos. Os resultados parecem indicar que o contribuinte se vê sempre a pagar impostos escondidos, pois, em todos os 23 cenários, verificámos que foi indicado um valor para o "outro" imposto (além do IVA) mesmo quando este não existe… O contribuinte sabe que existe(m) "outro(s) imposto(s)", mas não consegue percecionar a sua base de incidência, nem o seu valor...

 

Os resultados vão no mesmo sentido quando analisamos as taxas. O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, operações financeiras e livros (entre outros) com taxas diferenciadas. As taxas sobre as bebidas alcoólicas apresentam seis escalões só para a cerveja e o mesmo se passa para as bebidas não alcoólicas açucaradas, com seis escalões. A evidência desta complexidade é observada pelo facto de os quatro escalões propostos para o "outro" imposto (>0% - 10%; 10% - 20%; 20% - 30%; >30%) nos diferentes cenários terem sido sempre pontuados pelos contribuintes. Inclusive em vários cenários as opções por cada escalão apresentaram igual frequência indicando não haver um conhecimento sobre a taxa e a incidência.

 

De acordo com o portal da Autoridade Tributária houve um aumento de receitas nestes diferentes impostos de 2015 para 2016: IS +3%; ISP +54%; IT +25%; IABA +6%; ISV +17%. Mas este aumento não é percecionado pelos portugueses, o que joga a favor de qualquer decisor de política fiscal que decida aumentar impostos através do recurso a estes impostos indiretos.

 

Professor da Coimbra Business School

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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