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23 de Agosto de 2020 às 16:30

O que hoje é verdade amanhã pode ser mentira

Prometeram-nos que não haveria austeridade. Esqueceram-se de dizer que seria apenas na função pública. Todos os restantes trabalhadores têm, ou vão ter, quebras importantes de rendimento que obrigarão a um já habitual aperto do cinto.

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Esta frase ficou conhecida no mundo do futebol dita por um antigo presidente de um clube do Norte e era bem reveladora do estado de incerteza e de constante quebra de compromissos que existia então naquela atividade. Hoje vivemos uma situação idêntica na política portuguesa. Não podemos dar nada como garantido e temos apenas a certeza de que o que nos prometem agora dificilmente será cumprido amanhã. Estejamos preparados para tudo.

Prometeram-nos que não haveria austeridade. Esqueceram-se de dizer que seria apenas na função pública. Todos os restantes trabalhadores têm, ou vão ter, quebras importantes de rendimento que obrigarão a um já habitual aperto do cinto.

Prometeram-nos que o desemprego seria evitado a todo o custo. As medidas de apoio empresarial, em especial o lay-off, tinham esse objetivo principal. Sabemos agora que afinal as rescisões de contrato por mútuo acordo serão possíveis no universo das empresas que estiveram ou ainda estão a ser apoiadas pelo Estado.

Prometeram-nos que não haveria aumento de impostos. Dentro de pouco tempo, com a revelação do Orçamento do Estado para 2021, vamos confirmar que assim não será. É inevitável que tal aconteça. Até poderá não ser no IRS ou no IRC. Mas a carga fiscal irá seguramente aumentar.

Prometeram-nos que os serviços de saúde não iriam descurar os doentes “não covid-19”. As listas de consultas e cirurgias não realizadas não param de crescer e a recuperação será tão lenta que muitos ficarão pelo caminho.

Prometeram-nos que os apoios financeiros chegariam às empresas e que as suas tesourarias iriam ser financiadas. Sabemos hoje que o dinheiro não chegou a muitas empresas e que em muitos casos ficou nos bancos para regularizar outras situações.

Prometeram-nos que os milhares de milhões de euros de Bruxelas iriam chegar e ser bem investidos tendo por base um amplo consenso nacional. Ainda o dinheiro não chegou e já o líder da oposição anuncia que se está a preparar na sombra um projeto megalómano que consumirá uma fatia importante destes apoios na chamada estratégia nacional do hidrogénio. É caso para dizer que entrámos com o “pé direito”.

Prometeram-nos que os trabalhadores independentes e os sócios-gerentes de micro e pequenas empresas iriam ser apoiados. Todos os dias vamos conhecendo casos em que o apoio não chegou. Normalmente por razões formais o diabo do formulário nunca está em condições de ser aprovado.

Prometeram-nos que o “achatamento da curva” e o quase encerramento da economia era fundamental para garantir que no momento da saída a recuperação fosse mais rápida. O turismo aí está para demonstrar que nada disso aconteceu. O setor está anémico e a evolução prevê-se desastrosa.

Prometeram-nos que o setor social seria apoiado como nunca. Basta ver a situação dos lares e de outros centros de apoio a idosos. Não fossem as câmaras municipais e estaríamos perante um desastre de proporções inimagináveis.

Dir-me-ão que as promessas eram genuínas, mas que as dificuldades têm sido muitas. Não duvido. Governar neste momento não é tarefa que alguém possa invejar. Mas resta o caminho de ir procurando responder às necessidades sem prometer aquilo onde a máquina ou os recursos do Estado não existem ou não têm capacidade para responder. E ainda a pandemia não produziu todos os seus efeitos sociais e económicos nem a tão aguardada vaga do outono chegou.

Sabemos que a economia, e com ela a melhoria de vida dos cidadãos, se faz da gestão de expectativas. Por isso, antes de as criarem, pensem bem no que estão a fazer. Para que não sejam defraudadas. Seja por banqueiros, seja por empresários, seja por políticos. O desafio maior é dizer a verdade hoje. Para que continue a ser verdade amanhã.

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