Os mais poderosos de 2016 Os mais poderosos de 2016

# Os maispoderosos de 2016 # Os mais poderosos 2016: Jogos de tronos
2016 está a ser um ano diferente ao nível do poder. Em Portugal, o poder mudou. Em particular o poder político. António Costa assumiu a chefia do Governo. Marcelo Rebelo de Sousa é o novo chefe do Estado. No poder económico, Portugal mudou muito nos últimos anos. A crise do sistema financeiro também para isso contribuiu.
Fernando  Sobral
Fernando Sobral fsobral@negocios.pt 20 de Julho de 2016 às 22:05
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O poder mudou. Como se fosse o resultado de uma guerra de tronos, devedora da saga de George R. R. Martin. Portugal não é Westeros e os partidos que rodam na cadeira do poder (PS e PSD, sobretudo), não são os Starks ou os Lannisters.

A vida política nacional não é um repositório da "Guerra das Rosas" onde Martin se foi inspirar. Mas Portugal tornou-se um país mais instável, desde que caminhou para a bancarrota e a troika desembarcou em Lisboa. Nessa altura o país mudou de Governo e de inspiração ideológica. Apertou o cinto, emagreceu o Estado, aumentou brutalmente os impostos, cortou em salários e pensões, mudou as leis laborais. Mas, no essencial, não se criou um novo modelo económico. O sistema de poder manteve-se com algum emagrecimento e com fossos sociais mais difíceis de ultrapassar.

O calendário para a "saída limpa" e para o adeus à troika foi seguido com a atenção com que se vê uma telenovela. Mas, de repente, após o colapso do BES, tombaram também certezas, não económicas, mas políticas.

Tronos nacionais

O PSD e o CDS, coligados, ganharam as eleições. Mas tinham um calcanhar de Aquiles: o número de deputados não chegava. António Costa, o aparente derrotado, tirou um ás de trunfo do baralho: unificou, no Parlamento, a esquerda e chegou a Belém com uma maioria e um Governo. Cavaco Silva, relutante, teve de aceitar.

Apresentava-se ao país uma maioria nunca vista, presa por interesses diversos, mas unificada no essencial: afastar PSD e CDS do poder.

Como se não bastasse, afastado Cavaco, Marcelo Rebelo de Sousa atropelou todos os candidatos da esquerda e tornou-se o novo Presidente.

Tronos europeus

Um novo Portugal surgia, de um momento para o outro, defronte de uma União Europeia que olhou com pavor para um Governo de esquerda que poderia não seguir a sua pauta de "reformas".
É certo que Portugal livrou-se da troika mas não da austeridade. Ela permanece e os sócios europeus de Portugal desejam que ela faça parte constante do ADN do Orçamento do Estado e da política económica seguida pelo Governo. O que entra em colisão frontal com a coligação que suporta este Governo.

A decisão da Comissão Europeia e do Ecofin de avançarem com o processo de sanções a Portugal segue esse raciocínio. A Europa (sobretudo o seu núcleo central, comandado pela Alemanha) continua a definir os caminhos estreitos por onde Portugal pode caminhar.

Detentores da dívida, definem (com base no Tratado Orçamental e na deslocação dos poderes de cada país para Bruxelas e Frankfurt) os limites de acção de Lisboa. Wolfgang Schäuble ou Angela Merkel marcam o ritmo das decisões portuguesas.

Tal como o BCE de Mario Draghi, a cama mais ou menos confortável onde repousa a dívida soberana portuguesa.

É neste jogo de tronos europeus que circula o poder que tem de ser escutado em Lisboa. Mesmo que exista um acordo tácito entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa para tentar evitar ao máximo o sufoco de sanções que poderiam pôr em causa qualquer crescimento económico ou limitar os números ainda preocupantes do desemprego.

Tronos internacionais

É neste contexto que a travagem das exportações veio dar um rude golpe nas esperanças do Governo: o poder de Angola, Brasil e China tornou-se mais ténue. Até porque esses três países alimentaram em muito a explosão das exportações nacionais, que sustentaram o crescimento e o respirar da economia quando, internamente, o tempo era de travagem a fundo. E quando o Estado não tem músculo para dinamizar qualquer expansão económica. E os privados não têm capital ou incentivo para tal. Não é por acaso que o poder de figuras como José Eduardo dos Santos ou Dilma Rousseff (ou o seu sucessor, Michel Temer) e Xi Jinping se esvaíram.

A Europa da Zona Euro define as regras e controla, para já, os desígnios da nossa liberdade económica. Até que outros mercados (e investimentos de países que têm estado fora do radar nacional) possam libertar Portugal deste círculo vicioso. Não deixa de ser curiosa a pressão que, há muito, é feita pela União Europeia para cortar os laços económicos entre Portugal e Angola. Vê-se isso nas pressões no caso do BPI ou na desconfiança latente sobre o poder de Isabel dos Santos em Portugal. Angola é, aos olhos da burocracia europeia, um perigo para Portugal. Mesmo que os portugueses não o achem.

Ou ganhas ou morres

Num mundo em que ninguém está a salvo ou seguro, compreende-se, na "Guerra dos Tronos", as palavras de Cersei a Eddard Stark: "Este é o jogo dos tronos. Ou ganhas ou morres."

Nada é tão radical neste momento nos jogos de poder em Portugal. Mas, após as eleições, se Pedro Passos Coelho se manteve a liderar o PSD, com uma votação interna reforçada, no PP, Paulo Portas saiu de cena, para os negócios privados, e foi substituído por Assunção Cristas. Que até agências como a Bloomberg consideram que "abafou" Passos como líder da oposição. Ou seja, também na oposição, os movimentos, mais claros ou mais nebulosos, se conjugam para uma mutação futura. Para já há um compasso de espera para se ver como aguenta a célebre "geringonça" governamental e como a oposição se posiciona se a economia derrapar, a Europa apertar e o Orçamento de Mário Centeno não tiver suportes para vencer e convencer. Nas margens há vozes que emergem, como a de Francisco Louçã, claramente o farol que ilumina as manobras de Catarina Martins e num momento em que o PCP prepara a sucessão de Jerónimo de Sousa e o sector sindical (que claramente não ficou contente com o acordo governamental) espera a sua oportunidade.

Tronos da banca

Só que a crise é estrutural e se houve um colapso de grandes empresas que dominaram a economia portuguesa (e com ela de poderosos satélites), bem mais notória é a crise do sector financeiro português, outrora foco de poder quase directo junto de São Bento. O BES implodiu e o Novo Banco é uma dor de cabeça. O Banif veio estragar as contas de 2015. E há outros sinais de intranquilidade na banca. Para já não falar da perda de poder de Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal, muito escutado por Passos Coelho, e claramente um elemento a mais para António Costa.

As alterações na administração do BdP mostram que está cercado. E esvaziado do seu outrora luminoso poder. Nesta crise de poder há também a falta de investimento: e assim é visível como falta capital próprio em Portugal porque, nalguns casos, ele sempre esteve muito ligado à rápida liquidez propiciada pelo sector bancário. O capital externo, se se conseguir atrair, será o novo foco de poder do futuro. Mas de onde virá ele?

Com o afastamento do sector financeiro dos centros de decisões, o sector da advocacia ou consultoria continua a ter um poder enorme em Portugal. Seja na área das decisões políticas, seja na do "aconselhamento" em grandes opções empresariais.

Algo que dá mais complexidade ao jogo de tronos neste país,  que ficou exausto depois de ter estado na linha da frente, como carne para canhão, para evitar que a crise das dívidas soberanas atingisse Espanha e Itália. Foi um laboratório de experiências para "reformas". Sobretudo no sector laboral.

Na sequência, o Estado foi torpedeado pela lógica de privatização de serviços e cortes cegos na saúde, no ensino, na segurança social. Pensaram alguns que a intervenção externa traria reformas. E transformação da economia. Mas não se reformou o Estado (o documento de Paulo Portas era risível e foi atirado para o caixote do lixo do esquecimento), as privatizações seguiram-se e o dinheiro delas resultantes eclipsou-se, o trabalho ficou mais barato, e não se reformou seriamente a segurança social.

Mesmo com a austeridade extrema garantiu-se durante quatro anos uma paz social quase exemplar. Mas o resultado é doloroso: a emigração foi brutal, o desemprego mantém-se em níveis muito elevados, o défice e a dívida mantêm-se, o sector bancário estremeceu. Com isso aumentou também a desconfiança face ao poder da União Europeia. O Brexit foi um sintoma claro.

Abriu-se uma nova frente: o Norte contra o Sul. E a União Europeia deixou de ser uma agregadora de países e culturas diferentes para ser um directório de poder tecnocrático e burocrático.

No fundo, o poder político mudou em Portugal. Mas aqueles que continuam a manter-se à volta dos tronos não desapareceram para ser substituídos por outros actores. Há uma cultura de não ruptura em Portugal. Velhas cumplicidades sobrevivem às tempestades políticas ou económicas. E mesmo às que a Europa exige. O jogo dos tronos segue dentro de momentos.