O poder mudou. Como se fosse o resultado de uma guerra de tronos, devedora da saga de George R. R. Martin. Portugal não é Westeros e os partidos que rodam na cadeira do poder (PS e PSD, sobretudo), não são os Starks ou os Lannisters.
Tronos nacionais
O PSD e o CDS, coligados, ganharam as eleições. Mas tinham um calcanhar de Aquiles: o número de deputados não chegava. António Costa, o aparente derrotado, tirou um ás de trunfo do baralho: unificou, no Parlamento, a esquerda e chegou a Belém com uma maioria e um Governo. Cavaco Silva, relutante, teve de aceitar.
Apresentava-se ao país uma maioria nunca vista, presa por interesses diversos, mas unificada no essencial: afastar PSD e CDS do poder.
Como se não bastasse, afastado Cavaco, Marcelo Rebelo de Sousa atropelou todos os candidatos da esquerda e tornou-se o novo Presidente.
Tronos europeus
Um novo Portugal surgia, de um momento para o outro, defronte de uma União Europeia que olhou com pavor para um Governo de esquerda que poderia não seguir a sua pauta de "reformas".
É certo que Portugal livrou-se da troika mas não da austeridade. Ela permanece e os sócios europeus de Portugal desejam que ela faça parte constante do ADN do Orçamento do Estado e da política económica seguida pelo Governo. O que entra em colisão frontal com a coligação que suporta este Governo.
A decisão da Comissão Europeia e do Ecofin de avançarem com o processo de sanções a Portugal segue esse raciocínio. A Europa (sobretudo o seu núcleo central, comandado pela Alemanha) continua a definir os caminhos estreitos por onde Portugal pode caminhar.
Detentores da dívida, definem (com base no Tratado Orçamental e na deslocação dos poderes de cada país para Bruxelas e Frankfurt) os limites de acção de Lisboa. Wolfgang Schäuble ou Angela Merkel marcam o ritmo das decisões portuguesas.
Tal como o BCE de Mario Draghi, a cama mais ou menos confortável onde repousa a dívida soberana portuguesa.
É neste jogo de tronos europeus que circula o poder que tem de ser escutado em Lisboa. Mesmo que exista um acordo tácito entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa para tentar evitar ao máximo o sufoco de sanções que poderiam pôr em causa qualquer crescimento económico ou limitar os números ainda preocupantes do desemprego.
Tronos internacionais
É neste contexto que a travagem das exportações veio dar um rude golpe nas esperanças do Governo: o poder de Angola, Brasil e China tornou-se mais ténue. Até porque esses três países alimentaram em muito a explosão das exportações nacionais, que sustentaram o crescimento e o respirar da economia quando, internamente, o tempo era de travagem a fundo. E quando o Estado não tem músculo para dinamizar qualquer expansão económica. E os privados não têm capital ou incentivo para tal. Não é por acaso que o poder de figuras como José Eduardo dos Santos ou Dilma Rousseff (ou o seu sucessor, Michel Temer) e Xi Jinping se esvaíram.
A Europa da Zona Euro define as regras e controla, para já, os desígnios da nossa liberdade económica. Até que outros mercados (e investimentos de países que têm estado fora do radar nacional) possam libertar Portugal deste círculo vicioso. Não deixa de ser curiosa a pressão que, há muito, é feita pela União Europeia para cortar os laços económicos entre Portugal e Angola. Vê-se isso nas pressões no caso do BPI ou na desconfiança latente sobre o poder de Isabel dos Santos em Portugal. Angola é, aos olhos da burocracia europeia, um perigo para Portugal. Mesmo que os portugueses não o achem.
Ou ganhas ou morres
Num mundo em que ninguém está a salvo ou seguro, compreende-se, na "Guerra dos Tronos", as palavras de Cersei a Eddard Stark: "Este é o jogo dos tronos. Ou ganhas ou morres."
Nada é tão radical neste momento nos jogos de poder em Portugal. Mas, após as eleições, se Pedro Passos Coelho se manteve a liderar o PSD, com uma votação interna reforçada, no PP, Paulo Portas saiu de cena, para os negócios privados, e foi substituído por Assunção Cristas. Que até agências como a Bloomberg consideram que "abafou" Passos como líder da oposição. Ou seja, também na oposição, os movimentos, mais claros ou mais nebulosos, se conjugam para uma mutação futura. Para já há um compasso de espera para se ver como aguenta a célebre "geringonça" governamental e como a oposição se posiciona se a economia derrapar, a Europa apertar e o Orçamento de Mário Centeno não tiver suportes para vencer e convencer. Nas margens há vozes que emergem, como a de Francisco Louçã, claramente o farol que ilumina as manobras de Catarina Martins e num momento em que o PCP prepara a sucessão de Jerónimo de Sousa e o sector sindical (que claramente não ficou contente com o acordo governamental) espera a sua oportunidade.
Tronos da banca
Só que a crise é estrutural e se houve um colapso de grandes empresas que dominaram a economia portuguesa (e com ela de poderosos satélites), bem mais notória é a crise do sector financeiro português, outrora foco de poder quase directo junto de São Bento. O BES implodiu e o Novo Banco é uma dor de cabeça. O Banif veio estragar as contas de 2015. E há outros sinais de intranquilidade na banca. Para já não falar da perda de poder de Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal, muito escutado por Passos Coelho, e claramente um elemento a mais para António Costa.