"A crise da Zona Euro tem sido um pesadelo para o BCE", escreveu recentemente Athanasios Orphanides, professor no MIT e ex-governador do banco central cipriota, evidenciando os riscos assumidos pelo BCE no seu balanço e os efeitos redistributivos da política monetária.
Quando uns dizem "cuidado que é demais!", outros atiram: "Só agora? Vamos ver se não é tarde!". Os cinco anos que Mario Draghi leva à frente do BCE ficam marcados por este tipo de choque entre facções e países da Zona Euro, o que reflecte o exercício contínuo de equilibrismo institucional que tem levado o banco central a políticas sempre polémicas, embora por razões distintas.
Para uns, entre os quais se destacam responsáveis políticos e economistas alemães, o BCE já se excedeu, estando a subsidiar as economias mais frágeis com a compra de dívida pública e a redistribuir riqueza a favor dos devedores em prejuízo dos aforradores. Para outros, as políticas do BCE seguem simplesmente as de outros grandes bancos centrais, mas com atraso, impondo por essa via custos desnecessários às economias mais frágeis da Zona Euro e contribuindo para os riscos de deflação na região. É o resultado da cedência do banco central às pressões alemãs, defendem.
Não faltam episódios que evidenciam a linha tensa pela qual Mario Draghi tem procurado caminhar: o programa de compra de dívida pública de países com dificuldades de acesso ao mercado - que para muitos economistas é uma condição necessária à viabilização de uma união monetária - chegou apenas em 2012, após três resgates, e abriu, ainda assim, uma guerra legal centrada nos riscos do banco central subsidiar governos, a qual chegou ao Tribunal de Justiça Europeu e ao Constitucional alemão - e que entretanto foi ganha pelo BCE; o programa de compra alargada de títulos para baixar os juros de longo prazo chegou seis anos após o da Fed, e um ano depois já se debatem as suas consequências negativas na rendibilidade dos bancos e na promoção de bolhas nos mercados; noutra frente, ainda mais politizada, no primeiro semestre de 2015, Draghi geriu a cedência de liquidez à banca grega após a tomada de posse de Alexis Tsipras, de forma a manter o país no euro, mas pressionando ao mesmo tempo a implementação de políticas que Tsipras criticara.
"Não é preciso dizer que a crise da Zona Euro tem sido um pesadelo para o BCE", escreveu recentemente Athanasios Orphanides, o ex-governador do Banco Central de Chipre, num texto sobre as consequências orçamentais das acções do banco central, no qual evidencia, por um lado, a discricionariedade que os tratados concedem a Frankfurt, e por outro, os impactos redistributivos das políticas aí decididas: "O BCE pode facilmente tomar decisões que favorecem uns Estados-membros em detrimento de outros, ou instituições e sectores específicos de um Estado-membro". Por exemplo: "As políticas não convencionais do BCE [beneficiaram] tremendamente a Alemanha [que tem juros negativos à semelhança do que a Fed ofereceu aos EUA], mas tal não foi reflectido nas condições monetárias de alguns outros países", defende, considerando que para alguns estados"as acções do BCE não reflectiram nem a resposta à crise, nem as medidas de políticas não convencionais esperadas do banco central de um país" em crise. É fácil imaginar contra-argumentos que defendem que sem o BCE alguns países por esta altura nem se conseguiriam financiar.
A polémica em torno do banco central é adensada pelo facto de ser gerido por um conjunto de burocratas não eleitos, a quem foi concedida uma independência ímpar face ao poder político europeu, e que é responsável por boa parte das regras pela qual se rege.
É neste complexo e dividido contexto económico, político e legal que Draghi tem conduzido o BCE pelos caminhos da crise do euro. Um exercício de equilibrismo que poderá ter evitado o colapso do euro, mas não sem forçar uma pergunta: afinal, que controlo democrático existe sobre a instituição mais poderosa da Zona Euro?