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"Precisamos de criar uma melhor regulação"
Numa entrevista telefónica, Dan Ariely, professor no MIT e na Universidade de Duke e investigador da Reserva Federal, em Boston, explica que há várias formas de podermos contornar a nossa irracionalidade e tomar...
29 de Abril de 2009 às 10:00
Perfil O ACONTECIMENTO QUE MUDOU UMA VIDA Um acontecimento trágico mudou a vida de Dan Ariely. Aos 18 anos, o jovem israelita foi vítima de uma explosão de magnésio que deixou queimaduras profundas em 70% do seu corpo. Esteve internado num hospital durante três anos. No livro, Dan diz que este facto teve um mérito: "comecei a observar actividades que tinham sido a minha rotina diária." Tentou compreender por que razão as enfermeiras preferiam arrancar as ligaduras com um puxão vigoroso - que provocava uma dor aguda mas permitia terminar o tratamento mais rapidamente - do que arrancá-las lentamente, o que prolongava o tratamento mas causava uma dor menor. Estudou Psicologia na Universidade de Telavive, onde a cadeira sobre o funcionamento do cérebro acabou por determinar o seu futuro. |
Para evitar fraudes como a de Bernard Madoff, Dan Ariely afirma que é preciso criar uma melhor regulação
No seu livro diz que não podemos evitar ser irracionais e o que podemos fazer é treinarmo-nos de forma a sermos mais racionais. É isso?
Há algumas coisas que devíamos tentar fazer. Uma é treinarmo-nos para percebermos quais são as situações em que podemos estar a cometer erros. É pouco razoável pensar que estaremos sempre a pensar no custo de oportunidade do dinheiro. De cada vez que compramos um café, pensarmos do que é que estaremos a prescindir no futuro. Ou a ideia de que quando estamos excitados vamos conseguir agir de forma racional. Nestas circunstâncias o que nós temos de fazer é pensar como é que podemos criar mecanismos que nos possam fazer agir melhor.
Quais são os principais mecanismos que as pessoas deviam adoptar de forma a tornarem-se mais racionais?
Precisamos de observar o mundo à nossa volta e reconhecer os lugares em podemos estar a ser tentados e que, por isso, temos de ter mais cuidado. Basicamente temos de identificar as armadilhas. E precisamos de criar bons hábitos. O problema é que se tivermos maus hábitos isso leva-nos a ter maus hábitos durante muito tempo. O bom de termos bons hábitos é que vamo-nos comportar melhor durante muito tempo.
O que temos de fazer é criar regras para nós próprios, é isso?
Precisamos de nos regular a nós próprios, mas se pensarmos mais uma vez nos mercados de acções temos de pensar numa forma de regulação dos mercados que não permita que tudo isto volte a acontecer. A primeira coisa é reconhecer, a segunda é regularmo-nos a nós próprios, a terceira é criar regulação na sociedade. Os governos devem regular, mas as empresas onde trabalhamos também podem fazer algumas coisas. Podem ajudar a regular quanto é que cada trabalhador poupa para a reforma, por exemplo. As empresas podem fazer coisas pelos seus trabalhadores da mesma forma que as escolas podem fazer pelos seus alunos. Mas claro que o Governo pode regular coisas que dizem respeito a todo o país.
Pode dar um exemplo?
Se tivermos diabetes ou cancro é bom que o detectemos cedo. É para o paciente, para o sistema de saúde e para os custos do sistema de saúde. Os custos são mais baixos, a dor também. Todos ficam mais felizes. Podia-se, por exemplo regular sobre "check-up" frequentes, obrigando todos a fazê-los. Isso é uma coisa que as pessoas raramente fazem. Precisamos de algo que nos leve a fazê-lo de uma forma mais frequente.
Ser mais racional significa gastar menos?
Em algumas coisas gasta-se menos e noutras gasta-se mais. Por exemplo, acho que as pessoas gastam demasiado dinheiro em coisas que são permanentes, como casas, que se compra uma vez e usa-se durante muitos anos. Mas acho que as pessoas gastam de menos em coisas mais transitórias, como férias ou concertos, por exemplo, que lhes podem proporcionar experiências interessantes e deixar memórias durante muito tempo.
O problema é que pensamos que seremos mais felizes se comprarmos uma casa maior. Ficamos felizes durante um tempo, mas rapidamente a casa fica cheia de tralha e aí já não se é tão feliz. Habituamo-nos, adaptamo-nos. Desta perspectiva acho que há muitas coisas onde gastamos demasiado dinheiro, mas noutras gastamos de menos.
Nesta época de crise económica e financeira considera o seu livro como um instrumento útil para ajudar a atravessar a crise?
Acho que pode ser útil na perspectiva de que o Mundo mudou à nossa volta. Basicamente, não parámos para pensar e rever as nossas estratégias. Continuamos em frente porque tudo está bem. Agora, é de facto uma boa altura para revermos as nossas estratégias. Para abrandar e pensar que temos de ser mais cautelosos. Desse ponto de vista, é uma boa altura para percebermos as nossas atitudes irracionais e para que possamos ter melhores hábitos no futuro.
O que está a estudar neste momento?
Estou mais concentrado em dois temas: como as pessoas fazem batota - fizemos alguns capítulos do livro sobre este tema e estamos agora a expandi-lo - e estamos também a tentar perceber melhor os mercados de acções e o caso Madoff. Por exemplo, com o caso Madoff fizemos uma experiência em que as pessoas estão numa sala e vêem uma das pessoas fazer batota de uma forma muito evidente e que vai para casa com o dinheiro todo. O que fazem as outras pessoas: fazem mais batota ou menos batota?
Quando vemos casos como o de Madoff o que acontece à nossa honestidade? O que descobrimos é que isso depende do que as pessoas pensam daquela pessoa. Se essa pessoa estiver a usar as mesmas roupas que a farda da sua universidade, então as pessoas fazem mais batota. Se essa pessoa usar as roupas de outra universidade, as pessoas fazem menos batota.
Como foi possível chegarmos à situação em que nos encontramos actualmente?
O argumento é que pelos menos parte do que está a acontecer se deve aos maus incentivos das pessoas que actuam nos mercados financeiros. Se eu lhe pagar 10 milhões dólares para dizer que a titularização de créditos hipotecários ("Mortgage Backed Securities") é um bom negócio, então se calhar vamos encará-los como um bom negócio. Para além disso, se tornar estes produtos um pouco estranhos, difíceis de avaliar, ainda torna mais fácil de vê-los como um bom negócio.
Se, ainda por cima, todos estão a fazer o mesmo, isso ainda torna as coisas mais fáceis. O que estamos a dizer é que esta é uma forma de perceber que os problemas de conflito de interesses em Wall Street não têm a ver com pessoas más, mas com uma situação muito má.